Crítica – Ervas Secas (Kuru Otlar Üstüne)

Uma fábula deslumbrante que estuda o comportamento humano. Arrebatador e impressionante em sua essência.

 

Samet, um jovem professor de arte, está terminando seu quarto ano de serviço obrigatório em um vilarejo remoto na Anatólia. Ao ser acusado de contato inadequado por duas alunas, suas esperanças de ser transferido para Istambul e fugir dessa vida sombria desaparecem. No entanto, seu encontro com a professora Nuray lhe apresenta novas perspectivas de vida.

A premissa pode lembrar um pouco A Caça, mas Ervas Secas toma um rumo completamente diferente. Aqui, não há dúvida sobre se houve ou não abuso, e esse acontecimento não é o foco. Este é um filme sobre relações humanas, e não sobre uma investigação. É enigmática a maneira como o diretor explora a complexidade dos personagens. Nenhum deles é inteiramente bom ou mau; todos são moralmente questionáveis, e suas ações desafiam nossa compreensão, tornando-as difíceis de digerir. As divergências de opinião e os conflitos de valores entre os personagens são usados com maestria pelo diretor para construir uma fábula exemplar sobre o comportamento humano. Essas contradições são evidenciadas tanto pelos diálogos quanto pelo julgamento do espectador.

Kuru Otlar Üstüne – Imovision (2024)

As tensões que permeiam a narrativa surgem dos desacordos e discussões que parecem carecer de justificativa. O filme ilustra de forma inteligente como os seres humanos muitas vezes agem sem razão aparente, proporcionando uma imersão profunda nessa trama complexa e angustiante. Sem dúvida, é um dos filmes mais instigantes e originais já produzidos. Apesar da ausência de cenas dinâmicas, a obra é tão inteligente e envolvente que sua duração se torna apenas um detalhe. Os planos amplos são incrivelmente belos, e a fotografia deslumbrante contribui significativamente para a imersão ao longo das 3 horas e 20 minutos. Precisamos de mais filmes que retratem pessoas reais, com personalidades incessantemente questionadas pelo espectador. Este longa-metragem transcende o cinema contemporâneo e oferece uma experiência cinematográfica rica e provocativa.

Esqueça a duração. Por mais que o filme possa parecer cansativo, a sensação de recompensa ao final dessa história é avassaladora. Quando sobem os créditos, temos a certeza de ter presenciado um clássico contemporâneo, uma obra que certamente ainda será estudada por muitos anos. A experiência de contemplar personagens com uma moral ambígua é inesquecível. Somos consumidos pela tentativa de compreender o incompreensível: a motivação humana.

Kuru Otlar Üstüne

Buscamos justificativas para as ações dos personagens, tentando entender o porquê de atitudes que talvez destoem de nossos próprios valores. Essa angústia é construída magistralmente pelo diretor e é o que nos proporciona uma maior imersão na trama. Ervas Secas apresenta um dos melhores retratos de egoísmo já registrados no cinema, e nessa aula de ética somos absorvidos por uma paisagem gélida e vazia. À medida que os problemas e desavenças entre os personagens emergem, nossa curiosidade é aguçada, e somos sempre surpreendidos. Todo o filme é extremamente imprevisível.

Kuru Otlar Üstüne – Imovision (2023)

Em um momento saturado de filmes clichês e repetitivos, é uma dádiva recompensadora poder imergir em uma história original que contempla e critica a natureza humana. Ervas Secas é arrebatador em sua essência. Com diálogos extensos e envolventes, somos fisgados para a história de pessoas simples. Uma experiência inesquecível, com fotografia e ambientação maravilhosamente bem executadas, retratando uma Turquia rural cativante. O filme estreia no dia 14 de março nos cinemas de todo o Brasil.

 

Crítica por Pedro Gomes.

 

Ervas Secas | Kuru Otlar Üstüne
Turquia/França/Alemanha, 2023, 197 min.
Direção: Nuri Bilge Ceylan
Roteiro: Akın Aksu, Nuri Bilge Ceylan, Ebru Ceylan
Elenco: Emma Stone, Mark Ruffalo, Willem Dafoe
Produção: Alexandre Mallet-Guy, Nuri Bilge Ceylan, Janine Jackowski
Direção de Fotografia: Kürşat Üresin, Cevahir Şahin
Música: Giuseppe Verdi, Philip Timofeye
Classificação: 14 anos
Distribuição: Imovision

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