Kogonada nos mostra que apenas a consciência da perda confere profundidade e significado à nossa existência. A vida só é verdadeiramente bela quando contemplamos o que foi perdido.
A Grande Viagem da Sua Vida é um filme que vai além de um romance com toques de fantasia. Dirigido por Kogonada e estrelado por Margot Robbie e Colin Farrell, a obra conta a história de dois desconhecidos solteiros que se conhecem no casamento de um amigo em comum e, em pouco tempo, por uma reviravolta surpreendente do destino, acabam embarcando juntos em uma aventura única, fantástica e envolvente, na qual eles têm a chance de reviver momentos importantes de seus próprios passados, iluminando o caminho que os levaram até o presente… e, talvez, ganhando a oportunidade de mudar seus futuros. O longa é uma meditação cinematográfica sobre como nossas experiências passadas e perdas nos moldam fundamentalmente como seres humanos.
Caminhando em uma narrativa única que nos leva à refletir sobre como a aceitação nos permite abraçar plenamente o presente e o futuro, mesmo em sua incerteza, Kogonada nos permite novamente, assim como em seus filmes anteriores, apreciar a quietude e introspecção em uma obra que beira o slow cinema. Aqui, em um perfil mais hollywoodiano, o diretor consagra o melhor romance de 2025 até o momento.
“Embora nada possa trazer de volta a hora / Do esplendor na relva, da glória na flor, / Não vamos nos lamentar, mas sim encontrar / Força naquilo que permanece.”
~ Ode: Intimations of Immortality from Recollections of Early Childhood
Todos sabemos que a beleza e o valor da vida são intensificados pela sua natureza transitória e ligados à inevitável tristeza de sua efemeridade. Será que ainda pararíamos para apreciar a beleza de um pôr-do-sol se esses momentos fossem eternos? Apesar de os personagens passarem toda a jornada revisitando o passado, o fato de esses momentos estarem inevitavelmente perdidos torna essa revisitação poderosa. A jornada não é sobre viver no passado, mas sobre saber como nossas perdas influenciam na construção do nosso presente.
O conceito de Amor Fati, de Nietzsche, consiste em não só aceitar o destino mas abraçar ativamente cada acontecimento da vida, tanto os bons quanto os ruins, como necessários. Nietzsche acreditava que a vida é feita de dores, perdas, fracassos, alegrias e conquistas, e que negar ou desejar que algo tivesse sido diferente é desperdiçar a própria existência. Tudo que nos acontece, de bom ou ruim, molda quem somos e dá sentido ao nosso caminho, e esse é o pensamento que permeia durante os 108 minutos de duração do filme e é ressaltado em seu último ato.
O ato de atravessar várias portas que os levam à momentos passados é uma metáfora forte de auto-conhecimento. O filme sugere que não podemos entender verdadeiramente quem somos sem confrontar quem fomos. Cada porta que Sarah e David atravessam revela uma camada de sua formação, seja causada por traumas e arrependimentos ou por pequenas alegrias que, no momento em que aconteceram, pareciam insignificantes, como o ato de assistir um filme ao lado de alguém que amamos. Ao revisitar o passado um do outro, eles desenvolvem uma empatia que vai além deste plano.
O ponto negativo mais evidente é a trilha sonora, que frequentemente interrompe os momentos de maior introspecção. Muitas cenas, que poderiam ganhar força no silêncio, acabam sobrecarregadas por uma melodia em descompasso com o ritmo do longa. Além disso, as músicas cantadas soam excessivamente explicativas, como se subestimassem a capacidade de interpretação do espectador.
Em suma, o filme nos convida a abraçar a vida em toda a sua glória e encontrar significado em cada momento passageiro que ousamos viver plenamente. O filme, com todas as suas falhas percebidas, serve como um lembrete poético de que reconhecer a importância do passado apesar de suas dores é a melhor forma de vencer a efemeridade que tanto tememos.
Crítica por Pedro Gomes.
A Grande Viagem Da Sua Vida | A Big Bold Beautiful Journey
Irlanda/Estados Unidos, 2025, 108min.
Direção: Kogonada
Roteiro: Seth Reiss
Elenco: Colin Farrell, Margot Robbie, Kevin Kline
Produção: Ryan Friedkin, Bradley Thomas, Youree Henley
Direção de Fotografia: Benjamin Loeb
Música: Joe Hisaishi
Classificação: 12 anos
Distribuição: Sony Pictures