Crítica – Testamento (Testament)

Uma sátira ácida e ambígua sobre o modernismo e a passividade política.

“Testamento”, novo filme do diretor Denys Arcand, é uma sátira ácida sobre a vida de Jean-Michel (Rémy Girard), um homem que mora idilicamente em um lar de idosos. Sua rotina, e a do filme, são abaladas pela chegada de jovens ativistas políticos que contestam algumas atitudes da instituição e de Suzanne (Sophie Lorain), gerente do local. Dentro desse pretexto, o filme explora as relações do mundo moderno, sobretudo na visão de pessoas mais velhas, oferecendo uma reflexão sobre tradições e questionamentos sobre a realidade, mas talvez não impactando da maneira que o diretor imagina.

O filme de Arcand é muito bem articulado, seja em como organiza sua narrativa em arcos, no desenvolvimento dos personagens, na cadência geral da história; enfim, é um filme que, dentro dos padrões, segue tudo certo. A questão é que a sátira assumida por vezes soa um tanto problemática, causando até algumas dúvidas se o filme realmente está fazendo esse tipo de crítica abertamente.

Testamento – Imovision (2023)

Dá para resumir com bastante tranquilidade que o diretor ironiza um ultra progressismo que permeia a sociedade atual, principalmente a mais jovem, que, segundo ele, não se decide sobre suas morais, tradições, lados políticos e coerências sociais, ainda que o suposto “lado certo” aja de modo semelhante. São inúmeras as cenas em que o filme demonstra caminhar lentamente com seu protagonista – um idoso cansado do mundo atual e que sente saudades quando “ninguém se importava com os problemas da realidade” – evidenciando uma tese de que, aparentemente, deveríamos conduzir uma vida mais pacata e distante frente às besteiras identitárias e sociais vistas ao redor.

Testamento – Imovision (2023)

Veja, de mal nenhum tem o filme em tecer críticas a esse comportamento da sociedade, até porque, em certa medida, elas podem fazer-se pertinentes. O problema é que o diretor indica uma aproximação a uma imparcialidade – ou então passividade – frente às discussões políticas e comportamentais, que não funciona nem como crítica nem como sátira, mas sim como um grito de repugnância para aquilo que lhe incomoda (mesmo que esse incômodo seja com pessoas se identificando fora da heteronormatividade, com grupos sociais reivindicando seu direitos ou com pautas exageradas pelo modernismo).

A personagem interpretada por Sophie Lorain foge um pouco dessa ideia por ser assumidamente uma pessoa passiva, então é como se o filme, ao usar ela como fio condutor de algumas temáticas, estivesse se sujeitando a um lugar menor, de menos impacto e de subalternação, já que a personagem não tem controle da instituição e muito menos dos protestos que rodeiam o filme. Portanto, algumas cenas que ela está envolvida geram tons cômicos mais naturais, que se relacionam com seu estranho relacionamento amoroso com Jean-Michel.

Testamento – Imovision (2023)

Como comentei, “Testamento” tem situações que podem funcionar melhor, visto que o filme é bem conduzido em termos de entretenimento e ritmo. Denys Arcand até equilibra o tom da sátira ao final com algumas associações mais caricatas, tentando talvez se safar de opiniões mais raivosas. No entanto, fica nítido sua intenção de conduzir este tipo de narrativa desmedida e, por vezes, maldosa – ainda que este texto possivelmente seja reduzido a um “exagero progressista”.

 

Crítica por Gustavo Meca

 

Testamento | Testament
Canadá, 2023, 116 min.
Direção: Denys Arcand
Roteiro: Denys Arcand
Elenco: Rémy Girard, Sophie Lorain, Guylaine Tremblay
Produção: Denise Robert
Direção de Fotografia: Claudine Sauvé
Música: Martin Desmarais
Classificação: 14 anos
Distribuição: Imovision

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