Crítica – Speak No Evil [2022]

“Speak No Evil” retrata a ilusão da cordialidade de maneira devastadora e indigesta.

A trama desse terror psicológico segue uma família dinamarquesa, Bjørn, Louise e a filha pequena Agnes, que conhece uma família holandesa, Patrick, Karin e o filho pequeno Abel, durante uma viagem à Toscana. Alguns meses depois, o casal holandês convida os dinamarqueses para passar um fim de semana em sua casa isolada na Holanda. No entanto, a viagem se transforma em um pesadelo após uma sequência de comportamentos inadequados por parte dos anfitriões. A obra se destaca pela autenticidade em sua construção lenta e pela tensão crescente que culmina em um final original e impactante.

Desagradando grande parte do público pelo comportamento “passivo” dos hóspedes, o filme se mostra intencionalmente incômodo ao extremo. A figura da família de Bjørn é retratada como um cordeiro sendo lentamente levada ao abate por Patrick, que simboliza o “lobo” predador. Um dos principais temas do filme é a exploração dos limites da gentileza. Ele questiona até que ponto as pessoas devem ser educadas, mesmo em situações que claramente ultrapassam os limites do desconforto. O pai dinamarquês possui uma gentileza excessiva, e isso é a sua maior fraqueza. Patrick, com maestria, manipula essa fraqueza, sabendo da constante hesitação de seu convidado em criar conflitos. Situações que são consideradas absurdas são simplesmente aceitas sem nenhuma contradição. Esse constante relacionamento entre predador e presa (que “brinca com sua comida” o tempo inteiro), pode ser interpretado como uma metáfora poderosa sobre as dinâmicas ocultas de poder nas relações sociais.

Speak No Evil – Shudder (2022)

“- Por quê estão fazendo isso?
– Porque vocês deixaram.”

O título escolhido para o longa também não foi por acaso. “Speak no Evil” é uma clara crítica ao silêncio e ao conformismo social. A atitude de ignorar sinais de perigo ou comportamentos inapropriados para evitar desconfortos (uma falha humana comum) é frequentemente demonstrada como um grande problema. O silêncio diante do mal torna-se tão cúmplice quanto aquele que o comete, e é exatamente o que torna possível o progresso da maldade. As pessoas tendem a sobrepor o medo de quebrar as normas sociais à situações que demandam uma intervenção. Sorrir e acenar é mais fácil que tomar uma atitude.

Bjørn e Louise, embora sempre percebam que algo não está certo, não se comunicam constantemente entre si. Ambos são extremamente desconexos socialmentes e são incapazes de manter um diálogo sobre os comportamentos julgados inadequados pelas pessoas que os receberam. Em todo o filme, não há presença de ameaças, armas, ou qualquer coisa que os impeça de sair daquele lugar. A convenção social é a única barreira que não os permite fugir.

Speak no Evil – Shudder (2022)

O implacável roteiro desenvolvido por Christian e Mads Tafdrup confronta e incomoda o espectador à todo momento. A tensão é angustiante. O texto sugere que a ilusão de cordialidade pode ser perigosa quando usada como uma desculpa para não enfrentar o mal, e essa ausência de ações por parte dos oprimidos é completamente indigesta, deixando o público com uma sensação de nó na garganta. A fotografia é inquietante e cada enquadramento é meticulosamente composto para amplificar a sensação de desconforto e mal-estar.

As atuações contribuem consideravelmente para o bom desenvolvimento do filme. Profundamente convincentes, Morten Burian, como Bjørn, por exemplo, entrega uma performance que captura com precisão a vulnerabilidade e o conflito interno de um homem preso entre a civilidade e o seu prórpio instinto de sobrevivência. Seu personagem é cheio de nuances e extremamente inseguro em sua posição como protetor de sua família. Fedja van Huêt, por outro lado, demonstra que o mal nem sempre é assustador ou aparentemente agressivo; podendo se esconder atrás de uma máscara de sorrisos, generosidade e acolhimento.

Speak No Evil – Shudder (2022)

A traumatizante obra é distribuída pela Shudder nos Estados Unidos, e não tem previsão de estreia no Brasil. O desfecho, que dividiu bastante a crítica, não poderia ter terminado de uma forma melhor. Extremamente brutal e perturbador, “Speak No Evil” dificilmente sairá da memória e já pode ser considerado um dos maiores acertos do terror do ano, até agora.

 

Crítica por Pedro Gomes em 2022. Republicada devido ao lançamento do remake de James Watkins.

 

Speak No Evil
Dinamarca/Holanda, 2022, 97 min.
Direção: Christian Tafdrup
Roteiro: Mads Tafdrup, Christian Tafdrup
Elenco: Morten Burian, Sidsel Siem Koch, Fedja van Huêt
Produção: Jacob Jarek, Trent
Direção de Fotografia: Erik Molberg Hansen
Música: Sune Kølster
Classificação: TV-MA (18 anos)
Distribuição: Shudder (Estados Unidos, sem distribuição no Brasil até o momento)

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