A arte como amparo psicológico e ferramenta de mudança social e estrutural.
Fechemos os olhos e imaginemos a seguinte situação…
Refletores estão diante de nossos olhos, cegando-nos parcialmente. Enquanto vemos parte da platéia e parte da penumbra, uma voz grave e potente recita belos versos, saídos de uma peça shakesperiana. Aplausos são ouvidos e, seguidamente, somos levados a um camarim pós-espetáculo, com seus atores conversando sobre a peça, trocando de roupa em clima amistoso. Então, passamos a ver esses mesmos homens em fila, em um longo corredor, vestindo uniformes verdes e aguardando por uma revista.
É de forma semelhante que somos introduzidos ao universo de “Sing Sing”, filme dirigido por Greg Kwedar e adquirido pela produtora americana A24.

O nome do filme pode não ser desconhecido de alguns. Trata-se de Sing Sing, uma das maiores prisões de segurança máxima dos Estados Unidos da América, localizada em Ossining, Estado de Nova York. Até 1963, a prisão abrigava a câmara de execução de penas de morte do Estado. Há de se pensar, considerando apenas o título, que se trata de um filme com ação e suspense, repleto de violências e marcado pela criminalidade. Sim, há tudo isso em Sing Sing. Mas não da forma como se poderia imaginar.
Abordar a temática da reabilitação de presidiários por meios das artes não é algo novo. Seja através de documentários, matérias jornalísticas ou outras mídias, como o próprio cinema, mostrar a importância de programas que buscam trazer nova humanidade aos presos e inseri-los novamente em sociedade é, ao longo do tempo, uma temática recorrente e cuja importância se mostra cada dia mais premente. E foi estudando de forma pormenorizada as experiências reais vividas por presidiários beneficiados pelo programa Rehabilitation Through the Arts (RTA), programa implementado em Sing Sing desde 1996 e que busca dar condições aos presos de lidarem com seus sentimentos e transformá-los em pessoas melhores desde dentro da prisão que os roteiristas de “Sing Sing” desenvolveram a história que vemos nas telas do cinema.

No filme, acompanhamos as vivências e conflitos dos presos através da montagem de espetáculos teatrais feitos por e para os próprios presos. Mais especificamente, vemos como Divine G, um presidiário condenado de forma injusta usa do programa como forma de dar esperança aos seus colegas e a si mesmo. Quem o interpreta é Colman Domingo, e sua performance o fez ser indicado ao Oscar deste ano como Melhor Ator.
O que faz com que “Sing Sing” se destaque em meio à temática é a forma com que a mesma é abordada. Não é preciso mostrar de forma ilustrada a dura realidade vivida pelos presos dentro da prisão. Não são precisas cenas de violência, de conflitos entre presos, de mortes explícitas. Toda a dor, as angústias e sofrimentos estão implícitos nas existências de cada um ali dentro. Quando existem, são contadas, através de palavras ou daquilo que não se vê. O foco fica – literalmente – no palco, naquilo que o teatro de fato oferece e em como todos lidam com seus pesadelos diante da platéia e no escuro das cochias de seus pensamentos. Não é preciso mostrar a violência dos espaços penitenciários para entendermos que ela está lá.

Ao trazer para as telas a realidade dos palcos e as miudezas existentes em cada personagem, “Sing Sing” joga luz na importância que as artes têm na mudança efetiva na vida das pessoas. Há quem atribua ao filósofo Nietzsche a frase “A arte existe para que a realidade não nos destrua”, e nada mais verdadeiro do que isso. Através da arte, somos instigados a pensar sobre nós mesmos e a nos colocarmos vuneráveis diante da vida e daqueles que nos rodeiam. No contexto de ressocialização carcerária, tornar-se vulnerável é ainda mais grandioso, uma vez que o sistema por si já impõe condições de vulnerabilidade as quais não se quer vivenciar. Abrir-se de coração ao outro e ao que a arte tem para oferecer exige coragem. Exige esperança. E essa é uma jornada que se precisa estar disposto a seguir e a se reerguer, quando preciso.
“Sing Sing” concorre, para além do Oscar de Melhor Ator (Colman Domingo), a Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Canção Original (Like a Bird).
Crítica por Bianca Rolff.

Sing Sing
Estados Unidos, 2024, 107 min.
Direção: Greg Kwedar
Roteiro: Greg Kwedar, Clint Bentley
Elenco: Colman Domingo, Clarence Maclin, Sean San Jose
Produção: Monique Walton, Clint Bentley, Greg Kwedar
Direção de Fotografia: Patrick Scola
Música: Bryce Dessner
Classificação: 14 anos
Distribuição: Diamond Films









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