Crítica – Síndrome da Apatia (Quiet Life)

Alexandros Avranas abre nossos olhos para síndrome pouco comentada em filme impactante e frio.

Síndrome da Apatia, do diretor do perturbador Miss Violence, conta a história de Sergei e Natalia, dois refugiados políticos que imigraram para a Suécia com suas duas filhas, Katja e Alina, em busca de uma nova vida. Suas esperanças são destruídas quando o pedido de asilo deles é rejeitado. Sua filha Katja, traumatizada por esse episódio, desmaia e subitamente entra em um “coma”, desenvolvendo uma condição conhecida como Síndrome de Resignação ou Apatia, explicada como uma autoproteção contra o sentimento de medo. Sergei e Natalia, então, tentarão de tudo para conseguir o asilo e criar a atmosfera segura que sua filha precisa para despertar.

Embora pouco comentada, principalmente no Brasil, essa síndrome é real. Nos últimos anos, mais de 700 crianças foram diagnosticadas com ela na Suécia, e suas causas ainda continuam um mistério. A explicação mais aceita envolve uma junção de trauma severo com desesperança extrema. A ameaça iminente de deportação parece atuar como um “gatilho final”, dentro de um quadro de estresse pós-traumático grave. A criança entra em um tipo de “desligamento psíquico”, como um mecanismo de defesa. Os pacientes realmente param de responder ao ambiente, mesmo diante de estímulos fortes. Há exames médicos e registros psiquiátricos que atestam a gravidade do quadro, considerado uma forma de transtorno dissociativo ou catatonia funcional.

Síndrome da Apatia – Imovision (2024)

Alexandros Avranas é conhecido por seu estilo frio e realista, onde explora uma violência silenciosa que chega a sufocar mais do que a violência gráfica. Em uma obra completamente desesperançosa, somos guiados por um pesadelo de injustiças, onde acompanhamos o sofrimento de uma família de mãos atadas. As atuações são impecáveis, e conseguimos enxergar a dor nos olhos de cada personagem, mesmo quando estão em completo silêncio.

Quando Katja é diagnosticada, os pais a internam em uma clínica onde são submetidos a um “treinamento comportamental” para fingirem estar felizes; e essa é uma das partes mais perturbadoras e emblemáticas do longa. É uma crítica explícita à forma como o sistema transforma o sofrimento humano em um problema individual, transferindo a responsabilidade das estruturas que o causam para as vítimas que o vivenciam.

Síndrome da Apatia – Imovision (2024)

A fotografia é composta de ambientes e cores frias, enquadramentos rígidos e uma trilha sonora atordoante que complementa a atmosfera de tensão constante. Tudo parece sufocado, suspenso, como se o tempo também estivesse paralisado, assim como a criança. Avranas não dramatiza em excesso e não tenta emocionar à força. Ele incomoda, provoca e convida à reflexão.

Uma das cenas mais impactantes de todo o filme, que merece destaque, é quando os pais, após meses tentando reanimar a filha, cumprindo os protocolos da clínica e submetendo-se a um sistema que exige uma falsa felicidade, decidem levá-la à piscina. Eles nadam com a criança no colo, como em uma tentativa de aceitação da nova realidade. Carregá-la dentro da água, em silêncio, é um gesto de rendição à própria impotência. Dentro da piscina, o corpo da menina não pesa, o peso simbólico do sofrimento é aliviado, e a família pode flutuar, ainda que por instantes, como se acionassem uma válvula de escape. A cena é profundamente intimista e contém um dos planos mais delicados do filme, imerso em um silêncio quase ritualístico.

Síndrome da Apatia – Imovision (2024)

Síndrome da Apatia é um filme que denuncia a cruel realidade enfrentada por refugiados na Europa. Necessário, incômodo e extremamente impactante, a obra coloca os holofotes sobre uma condição invisível e nos obriga a encarar o sofrimento infantil como consequência direta de políticas desumanizantes.

 

Crítica por Pedro Gomes.

 

Síndrome da Apatia | Quiet Life
Grécia/Suécia/Alemanha, 2024, 99min.
Direção: Alexandros Avranas
Roteiro: Stavros Pamballis, Alexandros Avranas
Elenco: Chulpan Khamatova, Grigoriy Dobrygin, Naomi Lamp
Produção: Olivier Guerpillon, Kaarle Aho, Alejandro Arenas
Direção de Fotografia: Olympia Mytilinaiou
Música: Tuomas Kantelinen
Classificação: 14 anos
Distribuição: Imovision

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