Uma crítica feroz à ascensão do fascismo em um jantar de família.
“Precisamos Falar”, novo suspense dirigido por Pedro Waddington e Rebeca Diniz, é baseado no romance “O Jantar”, do holandês Herman Koch. O filme começa de forma chocante com um vídeo amador, em que três jovens são mostrados explodindo um rojão em uma moradora de rua enquanto ela dormia em frente a um caixa eletrônico. A partir desse incidente brutal, os casais Sandra e Paulo e Celso e Anna se reúnem para um jantar com o objetivo de decidir como lidar com o crime cometido por seus filhos. Enquanto Celso e Anna defendem a ideia de entregar os jovens à polícia, Sandra e Paulo preferem o silêncio, optando por encobrir o que aconteceu.
O longa estabelece rapidamente seus conflitos centrais, engajando o espectador em uma trama repleta de dilemas morais e intrigas familiares. Os filhos, Michel (de Sandra e Paulo) e os irmãos Rick e Jefferson (de Celso e Anna), são o foco da discussão, mas o filme vai além de uma simples divisão entre “bons” e “maus”. A moralidade de todas as famílias envolvidas é extremamente questionável.

Celso, que está em campanha para governador, parece mais interessado em manter sua imagem pública do que em fazer justiça. Ele quer entregar os filhos à polícia, mas suas motivações são incertas: será que ele estaria apenas preocupado com as consequências políticas se o caso viesse à tona ou realmente quer agir conforme a lei? Por outro lado, Sandra e Paulo optam por proteger o filho Michel, argumentando que querem poupá-lo da dor e do sofrimento que a prisão ou internato traria. Mas até que ponto essa proteção é justificável? O filme nos convida a refletir sobre as escolhas dos personagens e seus motivos ocultos e explícitos. Nesse jantar está em jogo o poder, a culpa e a responsabilidade familiar.
Entre os destaques da atuação estão Alexandre Nero e Thiago Voltolini, que interpretam, respectivamente, pai e filho. Ambos possuem uma apatia completamente absurda, e esse sentimento não é apenas emocional, mas também político e social, o que é habilmente revelado ao longo da trama. O discurso de ódio do pai de Michel ecoa os slogans e ideologias da extrema direita contemporânea, principalmente ao repetir a famosa frase “direitos humanos para humanos direitos”. Esse mantra aparece como uma ferramenta para justificar atos de violência e intolerância, colocando a moralidade em uma linha tênue entre o que é considerado “justo” e o que é, na verdade, fascismo disfarçado de retidão, se assemelhando à um passado não tão distante do Brasil.

A técnica cinematográfica também é notável. O zoom é usado com frequência e de forma estratégica, se aproximando dos rostos dos personagens nos momentos de maior tensão e intensificando o suspense, colocando o espectador no centro do conflito emocional.
Um dos principais pontos fracos reside nos diálogos, que em alguns momentos são excessivamente didáticos e carecem de profundidade. As conversas entre os personagens, especialmente nas cenas mais intensas, muitas vezes parecem artificiais, com falas construídas para explicar as motivações em vez de revelar as camadas emocionais deles de forma orgânica. Isso pode frustrar o espectador que busca maior sutileza e complexidade. Apesar disso, essa decisão pode ser vista como parte do objetivo principal do longa: garantir que temas como moralidade e responsabilidade sejam explicitados, em vez de ficarem nas entrelinhas. Esse estilo de comunicação pode tornar a obra mais acessível, principalmente em uma sociedade onde questões como a omissão familiar diante de atos violentos, o abuso de poder e a conivência são temas urgentes e ainda pouco discutidos. A sofisticação dos diálogos foi sacrificada em prol dessa clareza.

“Precisamos Falar” é um filme que aborda a linha tênue entre lealdade e conivência. Quem opta pela omissão diante do ódio e da violência, também é cúmplice. O suspense é bem construído e irá agradar a maior parte do público em geral, que visa por uma experiência tensa e não muito complexa.
Crítica por Pedro Gomes.
Filme assistido no Festival do Rio – Rio de Janeiro Int’l Film Festival (2024)
Precisamos Falar
Brasil, 2024, 101 min.
Direção: Pedro Waddington, Rebeca Diniz
Roteiro: Sérgio Goldenberg, George Moura
Elenco: Marjorie Estiano, Alexandre Nero, Emílio de Mello
Produção: Guel Arraes, Simone Oliveira, Andrucha Waddington
Direção de Fotografia: Lula Cerri
Música: Alessandro Laroca, Victor Tigronez Marinho
Classificação: 16 anos
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