Crítica – Olivia and the Invisible Earthquake (L’Olívia i el terratrèmol invisible)

A magia da infância como abrigo e preservação da esperança.

Olivia tem 12 anos e vive com seu irmão pequeno, Tim, e sua mãe, uma atriz com dificuldades para conseguir papéis. Com a falta de emprego da mãe, a pobreza vai os consumindo de forma gradativa, até que são despejados do apartamento em que moram. Com isso, a mãe de Olivia entra em uma depressão profunda, enquanto o serviço social tenta separá-los e levá-los para um lar adotivo. É então que Olivia tem a ideia de fazer de conta que estão vivendo um filme, onde tudo é parte de um grande roteiro, para que seu irmão não sofra uma dor que seu coração nem consegue processar ainda. O que poderia soar escapista é transformado em um gesto de amor poderoso e genuíno nas mãos da diretora: o ato de criar ficção para preservar a esperança.

Muitas crianças transformam o real em fantasia para suportar o que ainda não conseguem processar. A beleza de Olivia and the Invisible Earthquake está em entender que a imaginação não nega o real, mas o reinventa. Os terremotos invisíveis que dão título ao filme são representações das crises de ansiedade sofridas pela protagonista, que de uma hora para outra deve tomar conta do seu irmão, de sua mãe, e ainda esconder a própria dor para não afetar quem está ao seu redor. Olivia treme por dentro, mas precisa se manter estável por fora.

Olivia and the Invisible Earthquake – Annecy International Animation Film Festival (2025) / Foto: Reprodução/Annecy Festival

Feito em stop motion, o filme trata de temas como despejo, insegurança habitacional e capitalismo, mas com um tom leve voltado ao público infantojuvenil, algo semelhante ao que vimos em Ma vie de Courgette, de Claude Barras. Tudo é filtrado pelo olhar infantil e inocente de Olivia, e temos a possibilidade de observar os problemas do mundo adulto através da perspectiva de uma criança.

O grande feito de Irene Iborra é contar essa história com leveza sem jamais diluir sua importância. O roteiro entende a infância não como ingenuidade, mas como potência criativa. Há um carinho artesanal com a forma com que a animação foi feita. A história é contada de forma íntima, como se por alguém que tivesse passado por isso, ou então entendesse perfeitamente os sentimentos de Olivia com uma empatia arrebatadora. A diretora compreende suas personagens, e esse carinho resulta em um filme emocionante e completamente genuíno, ideal para crianças entenderem que, por mais que às vezes não consigam expressar seus sentimentos e se sintam no meio de um terremoto, há alguém que entende. Há esperança.

Olivia and the Invisible Earthquake – Annecy International Animation Film Festival (2025) / Foto: Reprodução/TMDB

O longa constrói um discurso profundamente político sobre como o despejo é uma consequência sistêmica e estruturada pela lógica do lucro sobre a moradia. É um posicionamento que toca em uma das maiores contradições sociais contemporâneas, inclusive no Brasil: há milhares de imóveis vazios nas cidades, enquanto famílias vivem nas ruas ou são despejadas por falta de pagamento. O número de casas sem moradores aumenta proporcionalmente ao número de moradores de rua. A crise de moradia vivida pela família de Olivia é o ponto de partida para uma reflexão sensível sobre uma realidade que ultrapassa as telas.

Vivemos em um sistema que falha em garantir o direito básico à moradia. O que começa como uma história delicada sobre a infância e a imaginação termina como uma denúncia da desigualdade urbana e da falta de políticas públicas eficazes. A família, que deveria ser protegida, é fragmentada por decisões impessoais e econômicas. Enquanto isso, o discurso midiático e governamental frequentemente responsabiliza o indivíduo por sua situação, desconsiderando os fatores estruturais que produzem o problema. O filme, ao trazer esse tema a partir do olhar de uma criança, nos convida a resgatar a humanidade por trás das estatísticas por meio de uma narrativa sensível, esperançosa e acolhedora.

Olivia and the Invisible Earthquake – Annecy International Animation Film Festival (2025) / Foto: Reprodução/TMDB

Olivia and the Invisible Earthquake é um lembrete da importância de escutar as crianças, de confiar na força de suas invenções, de reconhecer que a imaginação é uma ferramenta de resistência. Uma obra linda, poética e empática.

 

Crítica por Pedro Gomes.

Filme assistido no Annecy International Animation Film Festival (2025)

Feature Films Official

 

Olivia and the Invisible Earthquake | L’Olívia i el terratrèmol invisible
Espanha/França/Bélgica/Chile/Suíça 2025, 70min.
Direção: Irene Iborra Rizo
Roteiro: Irene Iborra Rizo, Julia Prats, Maite Carranza
Produção: Mikel Mas Bilbao, Irene Iborra Rizo, Eduard Puertas
Direção de Arte: César Diaz
Música: Laetitia Pansanel Garric, Charles De Ville

 

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