Crítica – O Clube das Mulheres de Negócios

Anna Muylaert volta à direção com obra provocativa, alucinada e autêntica.

O trabalho de Anna Muylaert é algo à ser apreciado com muito orgulho e admiração. Ambientado em um mundo onde os estereótipos de gêneros são invertidos, mulheres ocupam posições de poder que normalmente são ocupados por homens, e homens cumprem os papeis de serem socialmente submissos. O Clube das Mulheres de Negócios aborda questões emergentes não apenas do machismo, mas também do racismo, do classismo e da corrupção, enraizados na cultura patriarcal do Brasil e do mundo.

A diretora e também roteirista não se limita à mera inversão de papéis (embora essa seja uma jogada extraordinária e impecavelmente executada). Sua crítica se estende ao autoritarismo, ao racismo e, como em seus filmes anteriores, ela não deixa de traçar um paralelo com o passado político tenso e não tão distante do Brasil. O que começa como uma sátira bem-humorada logo se transforma em um thriller ácido e alucinante, revelando como a soberba e a ganância pelo poder podem ser responsáveis por instaurar o caos, seja em um clube de negócios ou em uma nação inteira.

O Clube das Mulheres de Negócios – Vitrine Filmes (2024)

Toda a obra soa como um grito de revolta feminino, ao mesmo tempo em que atua como um espelho que reflete o machismo enraizado em nossa sociedade. No Clube das Mulheres de Negócios, são elas que negociam enormes quantias de dinheiro enquanto são servidas por corpos masculinos passivos, submissos e objetificados. São os homens que sofrem sob o peso do autoritarismo e estão vulneráveis a abusos sexuais aos quais ninguém dá atenção. Muylaert aborda suas críticas à sociedade de forma quase magistral em seus filmes, navegando com maestria entre gêneros diversos, como comédia, drama e até documentários.

Esse retrato impiedoso da inversão de papéis vai além de qualquer visão simplista. Anna constrói um universo em que a relação de poder nos permite examinar as distorções do machismo em sua forma mais crua. Ao fazer isso, ela expõe com toda clareza como a opressão, independentemente do gênero, é um instrumento de controle e abuso. É impossível não perceber a carga simbólica do filme: não se trata apenas de uma sátira; é uma denúncia poderosa, capaz de provocar uma reflexão extremamente necessária nos dias atuais, embora seja constantemente evitada e tratada como um tabu.

O Clube das Mulheres de Negócios – Vitrine Filmes (2024)

O rumo da narrativa muda quando onças escapam de suas jaulas e as personagens femininas (todas completamente armamentistas), resolvem caçar os animais para garantir a própria segurança. Os felinos, em um CGI propositalmente não tão realista, intensificam a sensação distópica da obra, convertendo-a em um espetáculo alucinado de violência e sangue. O negacionismo de algumas delas, que minimizam o perigo representado pelas feras à solta, é uma alfinetada afiada e pontual de Muylaert ao comportamento desastroso do governo brasileiro durante a pandemia da COVID-19, quando a negação do perigo trouxe consequências devastadoras e irreparáveis.

Nesse momento, o filme ganha uma pitada à mais de sátira, explorando a inexperiência e a arrogância de uma autoridade que se recusa a enxergar a própria incapacidade. A caçada às onças, que inicialmente parece uma solução para o problema, pode ser interpretada como uma metáfora grotesca para a desastrosa gestão em meio à crise sanitária ocorrida no Brasil. As mulheres, em sua busca por controle, acabam revelando não apenas sua vulnerabilidade, mas também a falha de um governo que se arma para combater um inimigo que não entende.

O Clube das Mulheres de Negócios – Vitrine Filmes (2024)

“O Clube das Mulheres de Negócios” se encerra como um obra corajosa e desafiadora. Anna Muylaert mescla gêneros e entrega um filme consistente que provoca tanto o riso quanto a reflexão. Ao expor uma sociedade completamente desigual, seja por status social, gênero ou raça, o filme nos convida a reconsiderar a natureza do poder e da opressão, deixando o público com uma sensação de inquietação. A diretora segue com uma filmografia diversificada em gêneros, mas coerente em sua essência, demonstrando pleno domínio de suas escolhas criativas em cada um de seus projetos. O filme tem sua estreia programada para o dia 28 de novembro nos cinemas.

 

Crítica por Pedro Gomes.

Filme assistido no 18ª CineBH International Film Festival

 

O Clube das Mulheres de Negócios
Brasil, 2024, 95 min.
Direção: Anna Muylaert
Roteiro: Anna Muylaert
Elenco: Katiuscia Canoro, Louise Cardoso, Irene Ravache
Produção: Anna Muylaert, Mayra Lucas
Direção de Fotografia: Bárbara Álvarez
Música: Mateus Alves, André Abujamra
Classificação: 16 anos
Distribuição: Vitrine Filmes

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