Trágica e comovente jornada retrata de forma agridoce a dor da perda e da necessidade de seguir em frente.
O curto filme de animação japonesa conquistou a crítica no Annecy Film Festival e já está em cartaz nos cinemas brasileiros. A história segue duas jovens garotas, Fujino e Kyomoto, que compartilham a paixão pelo mangá, mas trilham caminhos diferentes em suas vidas criativas e pessoais. Fujino é uma garota bastante popular por fazer mangás 4-koma para o jornal da escola, e tem a autoestima bastante elevada pela sua habilidade em desenhar. Ela então se vê ameaçada quando Kyomoto, uma aluna reclusa que raramente frequenta as aulas começa a desenhar para o mesmo jornal, utilizando a arte como sua válvula de escape.
Em apenas 58 minutos, o roteiro atinge uma profundidade histórica em retratar temas como amizade, amadurecimento, perda, e mostrar como as relações humanas e a arte podem moldar a vida de uma pessoa de maneiras inesperadas. Fujino inicialmente é uma jovem extremamente confiante, e após ver os desenhos de sua colega, não apenas sente inveja mas é preenchida com uma imensa insegurança. A arte de desenhar agora, ao invés de elevar os seus sentimentos, passa a ser um espelho incômodo de todas as suas incertezas. A competitividade de Fujino traz como consequência um imenso vazio e um sentimento incessante de insuficiência.

Um dia, a professora pede que Fujino entregue o diploma de formatura para Kyomoto, que sempre estudava em casa. Esse encontro aproxima as duas, que descobrem afinidades e se tornam amigas. Elas começam a criar mangás juntas, combinando suas habilidades: Fujino foca nos quadros e nas histórias, enquanto Kyomoto se dedica aos detalhes dos desenhos. Com o tempo, porém, elas se distanciam, e Fujino se vê obrigada a continuar sem a amizade e parceria de Kyomoto, o que a leva a refletir sobre seu passado e sua trajetória como artista. Ela passa a fantasiar como teria sido se não tivesse ido entregar o diploma a Kyomoto naquele dia, mergulhando em um ciclo de culpa, arrependimento e profunda introspecção.
A amizade entre as duas é o que dá vida à narrativa. Kyomoto, reclusa e vulnerável, encontra em Fujino uma maneira de se conectar com o mundo exterior através da arte, e Fujino descobre, em Kyomoto, uma parceira que a desafia a crescer. O processo colaborativo entre as duas mostra como a arte pode ser uma ponte poderosa entre as pessoas. Ao ter essa amizade interrompida de forma brusca, o filme se transforma em uma reflexão sobre o luto. A dor de Fujino não é apenas pela perda de sua amiga, mas pela perda de uma parte de si mesma, de sua identidade como artista e do arrependimento acerca do que poderia ter sido. O diretor faz um trabalho sensível ao explorar a solidão que o luto traz, a sensação de impotência e as memórias que confortam e torturam ao mesmo tempo.

Vendo a trajetória das duas personagens podemos perceber como a arte pode ser uma forma de se conectar com o mundo, mas também de se isolar dele. Um dos aspectos mais impactantes de “Look Back” é o questionamento sobre as escolhas da vida e o peso do “e se?”. Fujino entra em constante arrependimento ao ser torturada por sua própria mente, imaginando como a vida teria sido diferente se ela tivesse agido de outra forma. A dor do arrependimento é uma dor universal e a obra utiliza isso para ampliar o impacto emocional da história de maneira crua e comovente. O título do filme pode ser relacionado diretamente com a protagonista, que começa a “olhar para trás”, revisitando seu passado e remoendo memórias do que viveu com Kyomoto. Isso traz à tona não só lembranças boas, mas também os remorsos, e faz com que ela reavalie suas escolhas e o impacto que essas decisões tiveram em sua vida e na de Kyomoto. O luto e a dor frequentemente nos levam a revisitar o passado na tentativa de encontrar explicações ou consolo para o que sentimos falta.
Levando esse título para um sentido mais metafórico, o ato de “olhar para trás” também pode sugerir a forma como a arte e a criação são sempre um reflexo do passado. A criação de novas histórias exige muitas vezes que o artista olhe para trás, evocando memórias, experiências, sentimentos, medos ou sonhos do passado para dar vida à algo novo. Isso se torna essencial para o processo criativo, como uma busca por significado em meio ao caos. É interessante pensar que isso é bem retratado na personagem principal: o próprio ato de imaginar uma outra realidade que teria acontecido à partir de uma escolha diferente, é em si uma forma de arte e de criar algo inexistente à partir da angústia de não poder alterar o passado.
A obra também brilha em mostrar a importância do amadurecimento e de seguir em frente, mesmo quando a vida não sai como planejamos. Ela é feita de ciclos, que na maioria das vezes se encerram de forma dolorosa por causa de outro sentimento também universal: a saudade. A lembrança do que se foi e do que poderia ter sido dão peso às nossas memórias, e a ruptura de expectativas e sonhos pode nos deixar paralisados em um vazio que parece sem saída. As memórias e a dor da ausência dão significado à nossa trajetória, podendo se tornar um fardo emocional. Amadurecer significa entender que a vida está sempre em movimento e que a permanência é uma ilusão. Tudo é efêmero.

“Look Back” é uma obra poderosa que demonstra a dor e a delícia da criação artística, além de retratar com maestria a profundidade da amizade e a devastação do luto. É incrível como essa história consegue ser tão complexa em tão pouco tempo de duração. A maneira que a arte é inserida na narrativa, tanto como uma válvula de escape quanto uma maneira de processar e entender o passado através da criação é uma representação extremamente sensível de como as pessoas utilizam a arte para lidar com tudo que há de bom e ruim entre o céu e a terra.
Crítica por Pedro Gomes.
Filme assistido à convite do Estação NET Rio.

Look Back | ルックバック
Japão, 2024, 58 min.
Direção: Kiyotaka Oshiyama
Roteiro: Kiyotaka Oshiyama, Tatsuki Fujimoto
Elenco: Yuumi Kawai, Mizuki Yoshida
Produção: Studio Durian, avex pictures
Direção de Fotografia: Kazuto Izumita
Música: haruka nakamura
Classificação: 12 anos
Distribuição: Cinecolor










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