Chloé Zhao atinge o ápice da sensibilidade cinematográfica
Desde os primeiros minutos, Hamnet se apresenta como uma obra que transcende o cinema tradicional. Chloé Zhao conduz o espectador por uma jornada de amor entre Agnes e William. Logo após a apresentação dos personagens, Hamnet apresenta uma cena de sexo que vai muito além do físico: é a representação pura do amor entre os dois. Zhao filma esse momento como o ápice da intimidade entre eles. O ato sexual, nesse contexto, não é apenas carne, é criação, união e celebração da vida que surge desse vínculo. Nessa cena, a diretora transforma a sexualidade em poesia visual, mostrando que a vida começa não apenas com nascimento, mas com a profundidade do amor que a gera. Dessa materialização do amor, é gerado Hamnet, primeiro filho do casa, sua maior alegria e também a maior tragédia.
De maneira arrebatadora, o filme segue a vida dessas duas pessoas após a perda de Hamnet, aos onze anos. Cada cena é cuidadosamente construída para refletir a fragilidade da existência humana, enquanto nos coloca diante da intensidade do sofrimento que moldou William Shakespeare e inspirou suas reflexões sobre a vida e a morte. O longa mostra que a arte é capaz de ser espelho da própria vida, tendo o luto não apenas como um evento dramático, mas como o centro emocional da obra, transformando o cotidiano da família em um espaço de tragédia silenciosa e profunda. Zhao constrói a narrativa de forma sensível, mostrando que o luto não é apenas um sentimento, mas um processo que reverbera em cada gesto.

Jessie Buckley, como Agnes, transmite a dor de uma mãe que tenta seguir em frente, mas que é constantemente lembrada da ausência irreparável. Paul Mescal, como Shakespeare, complementa essa força com sua interpretação de um homem dividido entre a dor pessoal e a necessidade de sustentar aqueles que ama, expressando essa dor de maneira artística.
O trabalho de Zhao na direção é magistral. Ela privilegia a sensibilidade e o ritmo da emoção permitindo que o público sinta a tragédia de forma orgânica no filme mais triste e emocionante de sua carreira. Hamnet é uma obra-prima atemporal que celebra a beleza que existe na dor. De forma fascinante e melancólica, a obra mostra que o sofrimento humano, quando transformado em arte, pode se tornar algo sublime, eterno, que transcende o tempo e a própria vida.

A fotografia e a direção de arte elevam o filme a um nível quase poético. A caracterização dos personagens e a ambientação tornam a experiência do espectador quase palpável, em uma imersão absurda que é praticamente impossível de descrever em palavras. O que se observa aqui é uma sensibilidade rara no cinema contemporâneo, em uma explosão sufocante de sentimentos em um misto de dor e glória.
Assistir a Hamnet é como ser atravessado por uma emoção que não se espera encontrar no cinema. Cada cena tem um peso dramático e existencial que beira a insanidade, algo que aperta o peito e não permite um segundo de distração. É um filme que não se assiste de maneira passiva: ele exige que você sinta, que respire junto, que se perca na beleza trágica da vida que se desenrola diante dos seus olhos. Nada te prepara para absorver a intensidade da história e a capacidade impressionante de Zhao de nos fazer sentir a vida em sua forma mais crua e perfeita de maneira quase espiritual.

No fim, Hamnet é um filme sobre a intensidade da vida, o amor que persiste mesmo na ausência e a dor que, transformada em arte, se torna inesquecível. É um retrato perfeito do abismo entre o que sentimos e o que conseguimos expressar, e uma experiência cinematográfica que toca a alma de forma profunda, consolidando Zhao como uma das diretoras mais sensíveis e ousadas da atualidade.
Crítica por Pedro Gomes.
Filme assistido no 27ª Festival do Rio – Rio de Janeiro Int’l Film Festival (2025)
Hamnet
Estados Unidos, 2025, 126min.
Direção: Chloé Zhao
Roteiro: Chloé Zhao, Maggie O’Farrell
Elenco: Jessie Buckley, Paul Mescal, Emily Watson
Produção: Sam Mendes, Pippa Harris, Liza Marshall
Direção de Fotografia: Łukasz Żal
Música: Max Richter
Classificação: Não Definida
Distribuição: Universal Pictures







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