Guarde O Coração Na Palma Da Mão e Caminhe – 27ª Festival do Rio (2025) | Imagem: Reprodução TMDB

Crítica | Guarde O Coração Na Palma Da Mão e Caminhe (لماء ضع على يدك وامشي) [27ª Festival do Rio]

Sepideh Farsi entrega um documentário intimista e devastador sobre o massacre na Faixa de Gaza.

Guarde O Coração Na Palma Da Mão e Caminhe é um testemunho íntimo, doloroso e profundamente humano sobre o que significa tentar viver em meio ao impossível. A diretora, francesa, escolhe uma forma radicalmente simples e devastadora de filmar. O longa inteiro se passa em chamadas de vídeo entre ela e uma jovem palestina que vive na Faixa de Gaza, Fatima Hassouna.

Essa simplicidade é o que torna tudo tão potente. A diretora filma a tela do próprio celular, registrando conversas cotidianas, risadas, silêncios e interrupções. Do outro lado da linha, Fatima fala de sua vida, de sua cidade, de suas vontades, e ao fundo, o som de tiros e explosões irrompe como se fizesse parte da rotina. O contraste é insuportável e, ao mesmo tempo, impossível de desviar o olhar. Há algo de profundamente humano em ver alguém tão acostumada à guerra que já não reage ao caos, mas apenas tenta continuar vivendo dentro dele. Vale ressaltar que o filme foi cronometrado pela nossa equipe, e que bastaram 8 minutos para começarmos à chorar, choro que durou até subirem os créditos.

Guarde O Coração Na Palma Da Mão E Caminhe – 27ª Festival do Rio (2025) | Imagem: Reprodução TMDB

O filme constrói uma intimidade rara entre o espectador e a protagonista. Com o tempo, passamos a conhecê-la como se fosse uma amiga: suas expressões, seu jeito de rir, sua leveza diante de um mundo que está desabando ao seu redor. Ela não quer fugir de Gaza, ela anseia por paz no lugar que ama e onde nasceu. É ali que ela se sente inteira, mesmo quando o mundo parece querer destruí-la. E é justamente esse amor pelo território, esse pertencimento tão inabalável, que torna a tragédia ainda mais profunda.

O que torna a experiência ainda mais dolorosa é o contraste entre o que vemos e o lugar de onde assistimos. É quase insuportável ouvir os sonhos e os desejos daquela jovem, que são simples, humanos e tão possíveis, sabendo que provavelmente nenhum deles será realizado. Enquanto ela fala sobre querer viver em paz, fotografar, amar, permanecer em Gaza, nós estamos sentados numa sala de cinema, seguros, cercados de conforto, respirando um ar fresco e comendo pipoca. É uma sensação de impotência misturada com culpa: perceber que, do nosso lado da tela, há estabilidade e escolhas; do lado dela, só o caos. O filme nos confronta com o abismo entre os mundos, e isso dói na alma. A distância entre uma vida possível e uma vida interrompida nunca pareceu tão obscena.

Guarde O Coração Na Palma Da Mão E Caminhe – 27ª Festival do Rio (2025) | Imagem: Reprodução TMDB

É um filme muito, muito triste. Triste de um jeito que não é teatral nem manipulador, mas real, porque tudo ali é verdade. E ainda assim, há uma beleza imensa em cada gesto da diretora, em cada olhar trocado, em cada tentativa de continuar a conversa apesar do caos. Essa escolha de filmar a tela de um celular, algo tão banal, e transforma-se num ato político e afetivo. É como se a diretora dissesse: “Eu não posso estar aí, mas posso te ouvir. Posso te ver. Posso registrar que você existiu.” O cinema, aqui, cumpre seu papel mais essencial: preservar o que a guerra tenta apagar.

Guarde O Coração Na Palma Da Mão E Caminhe – 27ª Festival do Rio (2025) | Imagem: Reprodução TMDB

Definitivamente, Guarde O Coração Na Palma Da Mão e Caminhe é o documentário mais potente, verdadeiro e emocionante que eu já assisti. Intimista, devastador, humano e doloroso, esse é um dos maiores destaques dessa edição do Festival do Rio.

 

Crítica por Pedro Gomes.

Filme assistido no 27ª Festival do Rio – Rio de Janeiro Int’l Film Festival (2025)

 

Guarde O Coração Na Palma Da Mão e Caminhe | لماء ضع على يدك وامشي
França, 2025, 113min.
Direção: Sepideh Farsi
Roteiro: Sepideh Farsi
Elenco: Fatima Hassouna, Sepideh Farsi
Produção: Sepideh Farsi, Annie Ohayon-Dekel, Javad Djavaherry
Direção de Fotografia: Sepideh Farsi
Música: Cinna Peyghamy
Classificação: 12 anos
Distribuição: Filmes do Estação

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