Crítica – Death Does Not Exist (La mort n’existe pas)

Uma explosão poética hipnótica e magistral.

“Death Does Not Exist” é um filme que chega com uma proposta profundamente metafórica e reflexiva sob a direção de Félix Dufour-Laperrière. A trama gira em torno um ataque armado contra ricos proprietários de terra que termina em fracasso. Uma das jovens que promove o ataque, Hélène, abandona seus companheiros, que acabam falecendo no local. Manon, uma de suas cúmplices, volta para assombrá-la, e juntas elas viajam por um vale mágico, onde metamorfoses, poderes venenosos e eventos dramáticos logo perturbarão o equilíbrio natural. A presença de Manon força a protagonista à reavaliar suas escolhas, tanto íntimas quanto políticas, e os dilemas que as definem.

O filme teve sua estreia mundial no Festival de Cannes e agora tem sua segunda exibição em Annecy. Com uma sequência narrativa intrigante e uma atmosfera lúdica e encantadora, Félix transforma um enredo de culpa, luto e revolta em uma experiência sensorial e emocional que ultrapassa a narrativa convencional. Em apenas 72 minutos, a obra provoca reflexões existenciais profundas e encanta o espectador com uma abordagem metafórica e poderosa.

Death Does Not Exist – Annecy International Animation Film Festival (2025)

“Quero fazer da minha força a base do equilíbrio. Transformar minha raiva no lar que nos falta. Quero uma modesta fatia do mundo. Mas uma fatia que seja toda minha.”

A floresta em que Hélène se esconde não é apenas cenário, mas uma entidade viva e simbólica, uma extensão da psique da protagonista que atua quase como um personagem. As árvores se tornam labirintos de memória e dor, conduzindo Hélène a refletir sobre suas escolhas e seus valores. A presença de Manon age como uma personificação da culpa, com atitudes constantemente cruéis, cheias de acusações e cobranças que não permitem o esquecimento. Embora as duas tenham sido cúmplices, a relação entre elas é carregada de mágoa e revolta. A escolha de recuar durante o atentado, tomada por medo, é interpretada por Manon como uma traição imperdoável.

O filme parece emergir de um paradoxo existencial entre o impulso de destruir um sistema corroído e um desejo de proteger aquilo que ainda é digno de ser preservado. Em cada gesto dos personagens, podemos observar uma tensão entre o ímpeto violento de uma revolta contra a injustiça e uma busca silenciosa por sentido. Essa contradição permanece sem resolução e atravessa a alma do espectador, convidando-o, assim como a protagonista, a refletir sobre suas ações e convicções. A personalidade de Hélène evoca uma dualidade entre luta e preservação: usar força com propósito, construir algo sólido, ao invés de apenas destruir. Há uma tentativa de transformar a dor em algo habitável. Da mesma forma que a obra faz uma crítica à violência, ela realça a importância da resistência, deixando de lado o conformismo para abraçar a verdade de que o equilíbrio não é dado, mas construído.

Death Does Not Exist – Annecy International Animation Film Festival (2025)

O uso das cores na animação é extremamente inteligente, com predominância de verdes, laranjas e amarelos que contribuem para a imersão em um ambiente sensorial, onde a realidade se funde com o delírio. Os personagens se misturam ao cenário de forma frequente, sugerindo que estão atravessando processos de transformação ou confusão. Há uma beleza poética exacerbada na meticulosidade da animação, que consagra a obra como uma verdadeira joia visual.

Félix assina o roteiro, a direção e a produção, o que demonstra um controle criativo absoluto e uma dedicação singular ao projeto. Os traços são hipnoticamente belos e cativantes. De um poder poético imensurável, “Death Does Not Exist” nos convida a mergulhar em reflexões essenciais para a existência. Assim como a protagonista não pode fugir da floresta que a devora, sendo forçada a encarar a realidade, nós também não podemos escapar das consequências de nossas escolhas, especialmente daquelas feitas em meio ao caos.

Death Does Not Exist – Annecy International Animation Film Festival (2025)

O filme não propõe respostas fáceis, mas nos convida a olhar para dentro, através de uma fábula de dor e transformação. Poético, poderoso e alucinante, Death Does Not Exist é um dos filmes de maior destaque no festival. Uma obra que precisa ser vista, sentida, debatida.

 

Crítica por Pedro Gomes. 

Filme assistido no Annecy International Animation Film Festival (2025)

Official selection 2025 – Feature Films Official

 

Death Does Not Exist | La mort n’existe pas 
Canadá/França, 2025, 72min.
Direção: Félix Dufour-Laperrière
Roteiro: Félix Dufour-Laperrière
Elenco: Karelle Tremblay, Zeneb Blanchet, Mattis Savard-Verhoeven
Produção: Félix Dufour-Laperrière, Nicolas Dufour-Laperriere, Pierre Baussaron
Música: Jean L’Appeau

 

 

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