Bugonia – Universal Pictures (2025) | Imagem: Reprodução TMDB

Crítica | Bugonia

Lanthimos faz da conspiração um espelho da nossa falência social.

No novo filme de Yorgos Lanthimos, a trama gira em torno de dois conspiracionistas que sequestram a CEO de uma grande empresa farmacêutica acreditando que ela é uma alienígena “Andromedana” e que estaria prestes a destruir a Terra. A partir desse absurdo, o filme mistura horror, ficção e humor ácido.

Para entender o começo dessa história maluca, precisamos mergulhar no personagem de Jesse Plemons, um dos mais complexos do longa. A vida dele é marcada por um trauma que nunca foi curado: a mãe ficou em coma depois de participar de um tratamento experimental da empresa da CEO. Isso destruiu a confiança dele no sistema, nas instituições, no “mundo organizado”. E essa dor se torna o ponto de partida de toda a sua loucura: Teddy é alguém que está tentando dar sentido ao sofrimento, e as teorias conspiratórias entram justamente aí: são uma forma desesperada de explicar algo que ele não consegue suportar emocionalmente.

Bugonia – Universal Pictures (2025) | Imagem: Reprodução TMDB

A mãe de Teddy é uma personagem com uma presença quase fantasmagórica durante a obra. Apesar de quase não aparecer no filme, ela é a personificação de alguns dos piores sentimentos do antagonista (se é que podemos chamá-lo assim). Ela representa a perda da estabilidade emocional dele, a sensação de injustiça, o ressentimento contra o poder corporativo e o gatilho para o colapso psicológico. Ela é a razão pela qual o Teddy abandona a realidade e abraça o delírio, onde ele encontra refúgio.

O ponto mais alto de Bugonia está na escolha de não tratar os personagens conspiracionistas como caricaturas. Ele mostra que, muitas vezes, quem acredita nessas coisas é alguém que já perdeu tudo: confiança, esperança, estabilidade, e essas teorias se tornam algo para dar sentido ao sofrimento. Já a CEO, está no outro polo da equação. Ela é o tipo de pessoa que vive isolada num mundo de privilégios, onde decisões tomadas em um escritório são capazes de transformar a vida de milhões e seguir em frente sem sentir o impacto. Não importa se os efeitos colaterais atingem pessoas como a mãe de Teddy, pois para ela tudo é estatística. Esse abismo entre as duas realidades é uma das principais críticas do filme em relação à sociedade contemporânea.

Bugonia – Universal Pictures (2025) | Imagem: Reprodução TMDB

A desinformação é o combustível do filme. É ela que dá aos personagens um senso de certeza que eles jamais teriam na vida real.
Uma mentira bem contada, repetida mil vezes, oferece um conforto que a verdade não oferece: a certeza de um inimigo claro e explicações fáceis para uma resolução aparente. Para pessoas fragilizadas, a mentira não precisa ser convincente, apenas reconfortante. E esse delírio coletivo cria uma bolha onde tudo passa a ser justificável: violência, delírio, sequestro, porque o medo sempre te convence de que está lutando pela sobrevivência. Isso faz com que surja na sociedade um populismo inteiramente emocional, de forma que essa lógica maniqueísta transforma qualquer crítica legítima ao sistema em um discurso de guerra total, sem espaço para nuance. Os sequestradores, no filme, falam como se fossem representantes de um movimento maior, mesmo que ninguém esteja ouvindo, gerando neles mesmos uma falsa sensação de pertencimento. A genialidade do filme é não inventar um universo distante, apenas exagerar o que já existe: a polarização, a paranoia, o cinismo, o medo, a desinformação, o ressentimento. Essa escolha torna todo esse contexto ainda mais verossímil diante dos espectadores.

Quando chegamos aos últimos minutos, o longa obriga o público a repensar tudo o que julgou durante o filme, funcionando como uma crítica à nossa necessidade de certezas absolutas e um inimigo claro. O filme critica tanto o fanatismo quanto o elitismo e o final coloca ambos como parte do mesmo problema.

Bugonia – Universal Pictures (2025) | Imagem: Reprodução TMDB

 

Bugonia é um dos filmes mais insanamente inteligentes de Yorgos Lanthimos nos últimos anos. Surpreendentemente, esse é um remake que consegue ser tão bom quanto o original, não por repetir sua estrutura, mas porque Yorgos injeta seu próprio estilo dentro dessa narrativa distorcida e conturbada. O resultado é um filme que honra o original, mas também justifica sua própria existência.

 

Crítica por Pedro Gomes.

 

Bugonia
Grécia/Irlanda/Coréia do Sul/Estados Unidos, 2025, 118min.
Direção: Yorgos Lanthimos
Roteiro: Will Tracy
Elenco: Emma Stone, Jesse Plemons, Aidan Delbis
Produção: Yorgos Lanthimos, Emma Stone, Ari Aster
Direção de Fotografia: Robbie Ryan
Música: Jerskin Fendrix
Classificação: 18 Anos
Distribuição: Universal Pictures

Não perca nenhum conteúdo! Siga o Vi nos Filmes no Instagram, Youtube e Tiktok