Crítica – As Aventuras de Uma Francesa na Coreia (여행자의 필요)

A Poesia Cotidiana de Hong Sang-Soo.

Em sua terceira obra com Isabelle Huppert, o diretor sul-coreano Hong Sang-Soo nos apresenta uma intrigante professora de francês com métodos de ensino muito peculiar, sem apostilas ou livros didáticos, Iris leciona em aulas particulares com suas duas alunas, somente com o uso de uma fita cassete e bloquinhos de papel, onde a partir dos sentimentos mais profundos de suas alunas, terão o conhecimento da língua estrangeira.

O diretor, com sua marca registrada, utiliza de uma fotografia crua, com uma mise-en-scène constituída praticamente de personagens com uma simples e rotineira ambientação, utiliza de uma linguagem cotidiana e muitas vezes até monótona, mas que quando observado mais a fundo nos é revelado a complexidade emotiva presente em cada um dos poucos personagens presentes na trama. Pode-se imaginar como um poema, – de um poeta que morreu muito jovem, como é dito no filme – onde cada personagem tem sua própria estrofe e seu próprio ritmo conduzido por Hong Sang-Soo, que a partir de sua direção única (visto que o próprio diretor também é roteirista, diretor de fotografia e editor), se assistido com pressa, pode-se considerar até de certa forma precária, mas é justamente essa direção singular, que faz uma imersão para dentro do filme, da maneira que estamos quase que juntamente com os personagens, acompanhando suas aulas, suas conversas e suas decepções.

A Traveler’s Needs – Pandora Filmes (2024)

A história se inicia com Iris e sua primeira aluna, a qual a partir de uma música tocada no piano, Iris deixa a coreana sozinha tanger o instrumento, enquanto ela dá uma de suas muitas fugas para fumar. Assim que as duas se reencontram, tem início a sua aula, com o questionamento sobre como ela se sente ao tocar o piano. A princípio a aluna responde de forma genérica sobre como se sente feliz, após refletir um pouco mais, a jovem coreana revela como se sente decepcionada consigo mesma, seguida de uma revelação ainda mais pessoal; a personagem sente vergonha de seu pai, mas mesmo assim sabe que ele a amava.

Mais a frente na trama, nos é apresentado sua nova aluna, essa mais velha e já casada, onde Iris e o casal desfrutam de doses e mais doses de Makgeolli, o maravilhoso vinho de arroz coreano, extremamente doce, levando a cômicas cenas de Iris que certamente, não se encontrava em seu melhor estado, deixando o espectador em uma mistura de constrangimento e diversão.

Algo muito presente nas obras de Hong Sang-Soo é a repetição de cenas quase idênticas, com alguns sutis detalhes que mudam completamente sua percepção, um exemplo disso é em seu primeiro filme com Isabelle Huppert, “In Another Country” (2012), onde três histórias são apresentadas quase que idênticas, todas protagonizadas por Isabelle Huppert, que apresentam mudanças muito sutis que mudam aspectos muito importantes de cada narração, embora todas as histórias se conectam de alguma forma. E aqui não é diferente, decepção, vergonha e amor são ditados novamente pela nova aluna, com diálogos exatamente idênticos o diretor nos convida a refletir sobre a monotonia da rotina, onde nos vemos presos diariamente às muitas repetições presentes na vida cotidiana, em como uma sutil variação em uma conversa rotineira extremamente comum, pode trazer um significado muito profundo.

A Traveler’s Needs – Pandora Filmes (2024)

Após se acostumar com a ideia de possíveis repetições no decorrer do longa, essa sequência é quebrada, ao Iris chegar em sua casa, na qual divide com um homem muito mais jovem, In-Guk, em uma aparente relação romântica em meio a uma rotina tranquila. Porém essa rotina é abalada com a chegada da mãe de In-Guk, uma mulher dura, que ao mesmo tempo que apresenta uma preocupação com o rapaz, também se encontra insegura pela ausência na vida de seu filho, juntamente com o medo de ter o seu lugar de mãe ocupado pela mulher estrangeira, mais uma vez sendo apresentado, agora não de maneira idêntica, a decepção, vergonha e amor, que eu poderia dizer, que se trata do tema principal do filme.

Durante este momento, nos perguntamos, quem é Iris? Qual é seu passado? Por que mudar para um país tão diferente? Será que precisamos mesmo saber quem é Iris? O diretor traz essa reflexão sobre como o passado muitas vezes não precisa ter necessariamente um porquê, ou então um aonde. O que importa realmente é o presente, como essa mulher simples leva a vida agora de maneira leve, conhecendo seu novo ser, aprendendo novas formas de relacionar, de amar, de viver.

A Traveler’s Needs – Pandora Filmes (2024)

“A Traveler’s Needs” é um filme sensível e poético, onde podemos ver Isabelle Huppert se desvinculando de sua imagem de musa, sendo uma mulher comum que vive de forma simples, contemplando seu novo mundo, conhecendo novas pessoas, como uma inabitual professora, (sem sombra de dúvidas muito diferente de “A Professora de Piano” (2001), claro) que traz uma atuação calma e de certa forma otimista, que nos faz a singela impressão de já termos conhecido Iris. Juntamente da direção icônica e inercial de Hong Sang-Soo, que conduz de forma graciosa e sentimental mais uma de suas obras de arte.

 

Crítica por Penelope Gussonato. 

 

As Aventuras de Uma Francesa na Coreia | 여행자의 필요
Coréia do Sul, 2024, 90 min.
Direção: Hong Sang-soo
Roteiro: Hong Sang-soo
Elenco: Isabelle Huppert, Lee Hye-young, Kwon Hae-hyo
Produção: Hong Sang-soo
Direção de Fotografia: Hong Sang-soo
Música: Hong Sang-soo
Classificação: 14 Anos
Distribuição: Pandora Filmes

Não perca nenhum conteúdo! Siga o Vi nos Filmes no Instagram, Youtube e Tiktok