‘A Cerca’ é uma crítica à persistência das relações coloniais disfarçadas de globalização.
A Cerca, novo longa de Claire Denis, retoma algumas das temáticas mais persistentes da filmografia da diretora: a herança colonial, a tensão entre territórios e a opressão. Ambientado em um canteiro de obras na África Ocidental, o filme apresenta um conflito aparentemente simples: um homem local, exige a devolução do corpo de seu irmão, morto sob circunstâncias suspeitas. Horn, o chefe francês da obra, tenta manter o controle enquanto segredos e conflitos coloniais vêm à tona
A obra navega em diferentes traços da opressão causada pela herança colonialista e é baseada na peça Black Battles with Dogs, de Bernard-Marie Koltès.

Assim como ‘White Material’, Claire traz aqui um ambiente pós-colonial e trata fortemente das interseções entre poder, raça, território e identidade. Ao optar por um espaço físico restrito, ela cria uma atmosfera claustrofóbica e sufocante. Os diálogos são tensos, e o pedido do protagonista é simples: o corpo do irmão para ser sepultado. O pedido da devolução se transforma em um ato de resistência; ele não está interessado em vingança ou discussão.
Visualmente, o filme é marcado por uma crueza que beira o documental. A câmera observa sem embelezar, sem despertar grandes emoções ou grandes reviravoltas. O mundo de A Cerca é seco, sem cor, sem romantização. E essa escolha pode fazer com que algumas pessoas achem o filme monótono ou esquecível, mas isso é uma parte essencial da proposta de Denis em trazer um cinema provocador e árido. O espectador observa como o poder se manifesta nas entrelinhas de cada fala.

As atuações são fortes e extremamente dedicadas. Isaach de Bankolé, no papel de Alboury, transmite respeito e confiança, com uma calmaria que chega a incomodar o espectador (e também os outros personagens). Matt Dillon, do outro lado da cerca, interpreta um homem dividido entre culpa e arrogância, tentando controlar algo que não está ao seu alcance. É nessa contradição de personalidades que a tensão toma forma. Os personagens são imprevisíveis e o anseio pela resolução do problema aumenta a cada cena.

No fim, A Cerca é um drama reflexivo sobre a herança do colonialismo e os limites geográficos, éticos e humanos estabelecidos por ele. O filme é duro, lento e profundamente político, mas também poético em sua forma de resistir a uma narrativa convencional.
Crítica por Pedro Gomes.
Filme assistido no 27ª Festival do Rio – Rio de Janeiro Int’l Film Festival (2025)

A Cerca | Le Cri des gardes
Estados Unidos/França, 2025, 109min.
Direção: Claire Denis
Roteiro: Claire Denis, Suzanne Lindon, Andrew Litvack
Elenco: Isaach de Bankolé, Matt Dillon, Mia McKenna-Bruce
Produção: Olivier Père, Olivier Delbosc, Gary Farkas
Direção de Fotografia: Éric Gautier
Música: Stuart Staples, Dan McKinna
Classificação: 14 anos








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