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Crítica | The Crown (2016)

Sempre existiu uma curiosidade expressa em olhar pela fechadura e descobrir as peculiaridades desse universo tão particular e surreal aos olhos contemporâneos. Um dos últimos vestígios de um tempo tão historicamente estudado, a Família Real é a consumação das fábulas infantis, das expressões de outrora tão pouco usadas no cotidiano, do tradicionalismo que parece tão retrógrado. É o antigo entrando em extenso e pleno conflito com as mudanças mundiais. É uma espécie de contentamento descontente.

A ótica que Peter Morgan revela através de ‘The Crown’ nos bota em ângulos jamais proporcionados. Paparazzis já tentaram. Alguns até foram responsabilizados pela fatídica e trágica morte da Princesa Diana. Um leque de programas documentais de canais como BBC já tentaram explanar. Mas aparentemente, sempre falta algo. Talvez o realismo. Talvez a exatidão corporal. Seja lá o aspecto em que tais documentários falharam, a nova produção da Netflix acertou em cheio. Ao construir uma linha temporal que passeia entre o passado e presente, conhecemos personagens que antes só conhecíamos de ouvir falar. Aprofundamo-nos nas fofocas ditadas pelos tabloides britânicos. Ficamos frente a frente com a Rainha.

Um dos aspectos mais bem construídos em ‘The Crown’ é a veracidade no relato dos fatos. Como um entendedor da história por trás da mitológica e pesada coroa cravejada de pedras preciosas, Peter Morgan se volta novamente à Rainha Elizabeth, explorando aquilo que fez em 2006 com Helen Mirren no papel da soberana, dessa vez estendendo para a complexidade nos relacionamentos e na dinâmica vivencial retidas aos inúmeros cômodos do suntuoso Palácio de Buckingham.

Como alguém que assume a Grã Bretanha no período de transição sociocultural mundial, Elizabeth representa o frescor forçado a se moldar ao velho. Em um universo predominantemente masculino, seu título sucumbe ao tradicionalismo, que muitas vezes colocou seu casamento e sua própria família em jogo. Dizem que pesada é a cabeça que veste a coroa. Pela primeira vez, entendemos o que isso realmente significa.

Com episódios que exploram momentos históricos aliados à constante sustentação do ideal Real, ‘The Crown’ tem roteiros quase documentais, que expressam a grandeza de vidas tão distantes do resto do mundo, mas emocionalmente tão próximas. Com qualidade empírica e atuações translúcidas, que refletem suas figuras originais com precisão clínica (como é o caso de Claire Foy e John Lithgow), o drama da plataforma de streaming ainda tem uma fotografia invejável, um design de produção riquíssimo, com figurino espetacular e estética perfeccionista.

Ao nos trazer para perto desse pequeno grande mundo, nos identificamos com seus protagonistas com tanta leveza, que chega a ser assustador. Por nos projetarmos em suas experiências, sentimos o distante sabor agridoce do peso da Coroa, à medida que aprendemos a nos compadecer de um fardo que é mais envolto em perdas que, de fato, ganhos. Ao desmistificar a Família Real com exímia qualidade fílmica, a Netflix expande sua fatia entre as produções para TV, corando a si mesma como aquela produtora capaz de transformar até o mais complexo universo em uma belíssima obra de arte atemporal.