If I Had Legs I’d Kick You – 27ª Festival do Rio (2025) | Imagem: Reprodução TMDB

Crítica | Se Eu Tivesse Pernas, Eu Te Chutaria (If I Had Legs I’d Kick You) [27ª Festival do Rio]

Mary Bronstein e a fragilidade da sanidade e da estabilidade emocional.

Com um dos títulos mais poéticos e significativos, Se Eu Tivesse Pernas, Eu Te Chutaria segue a história de Linda, uma mãe que se vê à beira de um colapso ao lidar com a doença misteriosa da filha, a ausência do marido e o desmoronamento de seu próprio teto, o que a força a viver com a filha num motel. Ela não encontra apoio em ninguém, nem mesmo no terapeuta, que é hostil, e precisa lidar com a frustração, o desespero e o isolamento crescentes, numa tentativa de resolver os problemas que a cercam.

Mary Bronstein constrói uma narrativa íntima e crua sobre o declínio emocional de uma pessoa, dando ao espectador a sensação de afundar lentamente sob socos lentos e potentes. A câmera, sempre sufocante e claustrofóbica, intensifica a empatia para com a protagonista. É uma direção que confia no silêncio e na composição para tornar palpável o peso de uma mulher que precisa cuidar e não é cuidada.

If I Had Legs I’d Kick You – 27ª Festival do Rio (2025) | Imagem: Reprodução TMDB

O título não é apenas uma frase provocativa, mas uma metáfora sobre impotência, frustração e desejo de reagir diante de algo que paralisa, refletindo exatamente o estado emocional da protagonista: ela é uma mulher quer ter uma reação contra tudo aquilo que a oprime (a doença da filha, o peso da maternidade, o abandono do marido, a falta de amparo) mas não tem mais forças para isso. Linda, ao começo da obra, já perdeu completamente a estrutura emocional e física que antes sustentava suas ações. Assim como a filha doente depende fisicamente dos outros, a mãe se torna emocionalmente paralisada, ambas sem “pernas” para caminhar por conta própria. Dizer “se eu tivesse pernas, eu te chutaria” é quase um grito sufocado: “Se eu ainda tivesse força, se eu ainda tivesse controle sobre minha vida, eu reagiria.”

Rose Byrne entrega aqui uma atuação de corpo inteiro: é difícil lembrar quando um desempenho recente mostrou com tanta precisão o desgaste de alguém que não tem mais espaço para si. Sua personagem é a completa personificação do esgotamento mental. O fato de a casa de Linda estar se destruindo aos poucos, forçando-a a viver em um motel, é uma metáfora pertinente e incômoda para a erosão de sua estabilidade.

If I Had Legs I’d Kick You – 27ª Festival do Rio (2025) | Imagem: Reprodução TMDB

A performance de A$AP Rocky é surpreendente e traz ao filme uma tensão diferente; ele é quase como a promessa de um ar fresco e uma fuga da realidade. Não é um interesse romântico tradicional; é antes alguém que aparenta oferecer respiro, mas que também carrega limites e própria fragilidade. Seu personagem tem um carisma cômico e tenta oferecer suporte, mesmo sem dar conta da própria vida.

Ainda que nunca nomeada diretamente, tudo no longa aponta para uma representação muito clara da depressão. A depressão aqui não se manifesta em explosões ou crises evidentes, e sim na apatia, na lentidão dos gestos, no vazio entre as ações, e principalmente na incapacidade de sentir prazer ou reagir ao mundo, como se a protagonista estivesse sob um constante efeito anestésico. A diretora evita qualquer tipo de diagnóstico explícito, justamente para não transformar a dor da personagem em rótulo.

Uma das escolhas mais impactantes de If I Had Legs I’d Kick You é o fato de nunca vermos o rosto da filha da protagonista. Essa decisão, segundo Bronstein, tem um propósito profundamente simbólico: ela queria que o público habitasse o mesmo ponto de vista da mãe, uma mulher tão tomada pela exaustão emocional que já não consegue enxergar a filha como um ser humano pleno, e sim como um reflexo da própria culpa e do próprio sofrimento. Bronstein explicou em entrevista ao MovieWeb que essa ausência visual é literal e figurativa ao mesmo tempo. A escolha reforça o isolamento psicológico da protagonista, limitando o olhar do espectador ao dela e negando qualquer “escapatória emocional” para fora do seu estado mental. Ao impedir que o público crie empatia direta com a criança, a diretora concentra toda a atenção na deterioração interna da mãe.

If I Had Legs I’d Kick You – 27ª Festival do Rio (2025) | Imagem: Reprodução TMDB

Em resumo: If I Had Legs I’d Kick You é um filme que mergulha fundo na experiência da maternidade em colapso, mas o faz com uma frieza observacional que nunca busca consolo ou redenção. Uma obra que precisa ser vista.

 

Crítica por Pedro Gomes.

Filme assistido no 27ª Festival do Rio – Rio de Janeiro Int’l Film Festival (2025)

 

Se Eu Tivesse Pernas, Eu Te Chutaria | If I Had Legs I’d Kick You
Estados Unidos, 2025, 113min.
Direção: Mary Bronstein
Roteiro: Mary Bronstein
Elenco: Rose Byrne, Conan O’Brien, A$AP Rocky
Produção: Tatiana Bears, Bruno Vernaschi-Berman, Josh Safdie
Direção de Fotografia: Christopher Messina
Música: Filipe Messeder, Ruy García, Nick Caramela
Classificação: 14 Anos
Distribuição:  Não Definida

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