O filme que parou o Festival do Rio. Revoltante, desumano e indigesto.
Com todas as sessões esgotadas, A Voz de Hind Rajab foi o filme que comoveu toda a cidade do Rio de Janeiro. Dirigido pela cineasta tunisiana Kaouther Ben Hania, a trama, baseada em uma história real, segue a ação dos voluntários da Sociedade do Crescente Vermelho Palestino ao receberem a ligação de uma criança de aproximadamente 5 anos, presa em um carro cercado por tanques do exército de Israel.
A menina estava fugindo com membros de sua família no bairro de Tel al-Hawa, na Cidade de Gaza, quando o veículo em que viajavam foi atingido por tiros de tanque ou artilharia das Forças de Defesa de Israel (IDF). Quando os voluntários conseguem rastrear a criança, notam que ela está a apenas oito minutos de distância de uma ambulância, mas, sem a autorização e o estabelecimento de uma rota segura, ficam impossibilitados de realizar o resgate.

Essa é uma das obras mais devastadoras e angustiantes de 2025. A escolha de retratar essa história de dentro do centro de atendimento da Sociedade do Crescente Vermelho torna a experiência do espectador ainda mais claustrofóbica. Sentimos a impotência dos voluntários diante da situação e o desespero não só de Hind Rajab, mas de todos os personagens envolvidos. O longa transforma o horror da Faixa de Gaza em uma experiência profundamente humana, sem recorrer à manipulação fácil ou ao sensacionalismo.
A força do filme está em sua simplicidade. Durante toda a duração, acompanhamos Hind apenas pela voz. A ausência de imagens explícitas é o que torna a jornada ainda mais indigesta. O espectador é forçado a imaginar o ambiente catastrófico que abafa uma voz infantil, frágil e inocente.

A Voz de Hind Rajab – 27ª Festival do Rio (2025) | Imagem: Reprodução TMDB
A estética quase documental adotada por Kaouther transforma A Voz de Hind Rajab em uma experiência visceral. A trilha sonora não suaviza o impacto, a esperança se torna cada vez mais escassa e a tensão se intensifica a cada cena. Tudo contribui para que o espectador se sinta testemunha direta de um acontecimento real, como se estivesse assistindo a um documento histórico sendo formado diante dos seus olhos.
Acredito que o fato de não vermos Hind ou o local onde ela está em nenhum momento do filme possa ser traduzido como um gesto político de recusa à transformação do sofrimento em consumo. Em uma era em que o horror é constantemente reproduzido nas redes, o filme devolve ao público o peso da responsabilidade de apenas ouvir. Nada precisa ser mostrado para nos transportar para o sofrimento que essa criança viveu e é justamente essa ausência que torna a experiência tão poderosa.

Ao fim, A Voz de Hind Rajab é mais do que um retrato da guerra. É um lembrete doloroso de um genocídio que destruiu a inocência, a esperança e a própria noção de humanidade. O cinema, aqui, da voz à uma das milhares de crianças que tiveram suas infâncias traumatizadas por tamanha crueldade. Uma obra que te corrói por dentro. Mais de 67 mil palestinos foram mortos e 170 mil feridos em um ato de extrema covardia.
Crítica por Pedro Gomes.
Filme assistido no 27ª Festival do Rio – Rio de Janeiro Int’l Film Festival (2025)
A Voz de Hind Rajab | صوت هند رجب
Tunísia/França, 2025, 89min.
Direção: Kaouther Ben Hania
Roteiro: Kaouther Ben Hania
Elenco: Motaz Malhees, Saja Kilani, Amer Hlehel
Produção: Odessa Rae, James Wilson, Nadim Cheikhrouha
Direção de Fotografia: Juan Sarmiento G.
Música: Amine Bouhafa
Classificação: 14 anos







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