A melhor animação brasileira desde ‘Uma História de Amor e Fúria’ (2013)
Coração das Trevas é uma animação brasileira inspirada na novela homônima de Joseph Conrad, originalmente publicada em partes na revista Blackwood’s Magazine em 1899 e depois reunida em livro em 1902. Na história, que se passa em um Rio de Janeiro futurista, Marlon é um jovem tenente da polícia carioca com a missão de encontrar o Capitão Kurtz, um obscuro personagem desaparecido em circunstâncias misteriosas na extensa periferia do Rio de Janeiro. Marlon terá que cumprir sua missão num barco, junto com um policial de caráter duvidoso, o sargento Medeiros, empreendendo uma arriscada viagem pela periferia carioca.
A decisão de Rogério Nunes de ambientar Coração das Trevas na periferia do Rio de Janeiro é o gesto mais potente e politicamente revelador do filme. A história original, situada no Congo colonial, é transposta para o espaço urbano e marginalizado do Rio, deslocando o eixo da “selvageria” do exterior para o interior do próprio país. Em vez de explorar terras distantes, o filme mergulha nas fronteiras invisíveis que dividem o Brasil contemporâneo entre o centro e as suas margens.

O filme retrata com impetuosidade o abandono social, a corrupção policial e a violência naturalizada que moldam a vida nas periferias, reafirmando a vocação do cinema de animação como ferramenta de crítica social. Ao trazer um cenário distópico, Rogério tem liberdade para retratar a violência e a desigualdade sem eufemismos.
A mudança de localidade reverbera a mesma crítica da obra original: a persistência de uma estrutura colonial que nunca deixou de existir, apenas trocou de cenário. Em Coração das Trevas, mergulhamos no que o país insiste em esconder: a barbárie que permeia as vielas da periferia.

A animação impressiona pelo estilo expressionista. Os traços com sombreamento estilizado se assemelham a uma pintura; e Iago, na direção de arte, utiliza texturas densas e tons escuros para criar uma atmosfera constante de tensão pelo medo do desconhecido. A dublagem é encantadora, com o uso de gírias e jargões brasileiros da comunidade periférica. Os personagens, além de interessantes, são caracterizados semelhantemente aos atores que dão voz a eles. Caio Blat, Babu Santana e Maria Lucas são três dos grandes destaques da interpretação na obra.

Coração das Trevas é a melhor animação brasileira desde ‘Uma História de Amor e Fúria’, em 2013. O filme demorou 12 anos para ser concluído e Rogério Nunes mostra aos espectadores que a espera valeu a pena.
Crítica por Pedro Gomes.
Filme assistido no 49ª Annecy International Animation Film Festival (2025)
Midnight Specials
Coração das Trevas
Brasil, 2025, 85min.
Direção: Rogério Nunes
Roteiro: Rogério Nunes, Laurent Mizrahi, Sérgio Nesteriuk, Vini Wolf
Elenco: Babu Santana, Caio Blat, Luiz Carlos Vasconcelos
Produção: Rogério Nunes, Cid Makino, Sébastien Onomo
Direção de Arte: Iago Nova
Música: Thomaz Magalhães, Leo Justi
Classificação: Não definida









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