Um road movie épico, sensorial e contemplativo.
Suçuarana, dirigido por Clarissa Campolina e Sérgio Borges, é um road movie mineiro que narra a história de Dora, uma mulher que passou os últimos anos de sua vida na estrada, em busca de uma terra perdida que ela e sua mãe tanto sonharam, um lugar mítico onde imagina que possa encontrar pertencimento. Em meio a encontros com outros viajantes e guiada por um misterioso cachorro, Dora atravessa um território em ruínas, devastado pela mineração, onde seu destino parece sempre um pouco mais distante. Após um acidente, ela encontra refúgio em uma fábrica abandonada, onde se encontra com uma vila de trabalhadores que vivem em coletividade e lembram o lar que ela tanto procura.
O filme também aborda questões sociais e ambientais com sutileza: a devastação causada pela mineração e o trabalho precário de comunidades locais aparecem como pano de fundo, proporcionando uma dimensão política à jornada pessoal da protagonista. É uma crítica silenciosa, mas poderosa ao descaso institucional e à desigualdade.

A fotografia entrega beleza crua nas paisagens devastadas de Minas Gerais. As imagens de vastas estradas e áreas abandonadas podem ser interpretadas como metáforas visuais para o vazio e a busca interior da protagonista.
O cachorro, interpretado por Tony Stark, é um dos elementos mais simbólicos da obra, materializando a tensão entre afeto e resistência. Ele é um animal que acompanha a personagem principal, mas que não é domesticado por completo: a relação entre os dois oscila entre proximidade e distância, lembrando que Dora também carrega essa ambiguidade: ao mesmo tempo que ela deseja vínculos, teme a criação e fixação de raízes.

A noite veio; O caminho estava em meio; Eu tive aquele arreceio; Que alguém nos pudesse ver; Eu quis dizer; Sussuarana, vamo imbora; Mas Virgem Nossa Senhora; Cadê boca pra dizer.
A música Sussuarana fala de luta, de resistência, de assumir a própria selvageria como força. No filme, a resistência está na persistência de Dora, na escolha de continuar mesmo sem garantias, em busca de sua Terra Prometida. No longa, há uma tensão entre o que é seguro e o que é verdadeiro, entre o lar temporário e o caminhar contínuo — uma tensão que ecoa os sentimentos expressos na música.
Suçuarana é um filme que acerta principalmente quando se permite ser lento, abrindo espaço para o silêncio em um cinema contemplativo. É uma obra profundamente brasileira e sensorial, que confia no audiovisual para transmitir toda a sua intensidade. Assim como em Nomadland, a obra explora a vida nômade como forma de resistência e busca por liberdade. Ambas as protagonistas enfrentam a vida à margem da sociedade tradicional, e encontrando pertencimento em suas jornadas. Enquanto o filme de Chloe Zhao explora os Estados Unidos pós-crise econômica, Suçuarana traz um Brasil marcado pelo abandono industrial e pela exploração ambiental, reforçando a universalidade da experiência nômade.

Suçuarana possui uma narrativa não tradicional e envolvente, que utiliza da fotografia e trilha sonora para causar uma imersão sensorial no espectador. É uma obra desse subgênero que raramente é retratado no cinema nacional que ficará na memória de quem assiste.
Nota: a palavra “Suçuarana” é grafada com Ç no título do filme, e com SS no título da música.
Crítica por Pedro Gomes.
Filme assistido no CineBH International Film Festival (2025)
Suçuarana
Brasil, 2025, 85min.
Direção: Clarissa Campolina, Sérgio Borges
Roteiro: Clarissa Campolina, Rodrigo Oliveira
Elenco: Sinara Teles, Carlos Francisco, Tony Stark
Produção: Luana Melgaço
Direção de Fotografia: Ivo Lopes Araújo
Música: Pablo Lamar
Classificação: 12 Anos
Distribuição: Embaúba Filmes
Leave a Reply