Artista desdobra a vulnerabilidade como força criativa em tempos de algoritmos.
Como sobreviver à arte com autenticidade em meio à repetição e à cultura acelerada? Bernardo Barreto encontrou sua resposta quando entendeu que precisaria muitas vezes ir além da atuação. A escrita, a direção e a produção surgiram como extensões naturais para refletir sua visão artística.
Essa abordagem se consolida em The Ballad of a Hustler (Invisíveis), coprodução Brasil/EUA dirigida por Heitor Dhalia, em que Bernardo atua como roteirista, protagonista e produtor. O filme percorreu festivais de destaque como Festival do Rio, Mostra Internacional de São Paulo, Santa Bárbara, Beverly Hills, San Antonio, Twin Cities e Omaha, conquistando prêmios de Melhor Filme no Arizona Film Festival e de Melhor Ator e Melhor Filme no Garden State Film Festival (New Jersey). Encerrando sua carreira de mostras no fim de agosto, venceu o Prêmio do Público na categoria de “Melhor Longa-metragem” no Indie Street Film Festival, que tem estreia prevista para 2025/2026 e mergulha no submundo da imigração ilegal em Nova York — um tema que dialoga diretamente com a experiência de pertencimento de Bernardo como brasileiro nos Estados Unidos.
Com passagens marcantes na TV e no cinema, como em Malhação (2006), Paraíso Artificiais (2011) e Meus Dias de Rock (2014) — série que também roteirizou e dirigiu — Bernardo foi além do set para criar seus próprios caminhos. “A minha formação como ator me deu uma base sólida de storytelling, mas sempre estudei muito, nunca parei, e essa bagagem me ajudou na minha profissionalização como roteirista e diretor. Mas tudo parte do ator”.
“Acredito que a arte exige algo além da técnica: é preciso se expor. Sem vulnerabilidade, não há verdade — e sem verdade, não há arte, independentemente do projeto, para o criador a jornada deve ser profunda. Existem muitos atores, roteiristas e diretores no mundo, mas nem todos são artistas. Na minha opinião, a arte demanda um nível substancial de entrega, que vem de uma necessidade primordial de expressão das nossas carências mais profundas.”
“A necessidade de criar meus próprios projetos não nasceu de ambição por controle, mas da busca por um espaço seguro para me expor. Na infância, me senti essencialmente abandonado, e sem voz. E essa dor — que eu mal reconhecia — gerava em mim um pavor da rejeição, e um nó na garganta. Se o artista vem da necessidade de expressar, provavelmente essa multifacetada tenha surgido como uma forma de me blindar, como ator.”
“O artista que não é vulnerável, é superficial. E isso não me interessa. É muito difícil ter esse espaço hoje, pouca gente entende desse processo. Na atuação, a representação ainda segue como um modelo de “naturalismo”. Nunca entendi o que é isso “parecer natural”? Ou é de verdade, ou é de mentira. Mas pra ser de verdade, precisa se expor, e aí nesse lugar sensível que mora a arte. Porque essa “verdade” tem muitas camadas.”
Para Bernardo a necessidade de reconhecer e externalizar essas feridas emocionais é o combustível que impulsiona projetos genuínos e relevante.
“Essa conexão íntima com a própria essência e experiências pessoais é o que traz autenticidade à criação artística — é ela que diferencia uma interpretação da outra, um artista do outro. Além da partitura sensorial, a curiosidade em estudar, estar atento ao mundo e o autoconhecimento são ferramentas fundamentais. E, acima de tudo: viver. Quem se tranca apenas diante de um computador dificilmente terá muito a contar. Quanto mais experiência de vida e mais profundidade, mais tocante será o trabalho. O artista é, por natureza, um rebelde — alguém movido pelo desejo de transformar, reconstruir e inovar. Infelizmente, estamos perdendo isso. O entretenimento, muitas vezes, virou um celeiro de superficialidade. Passa tempo para idiotas”.
Essa busca o levou a O Buscador (2019), longa que ele, escreveu, dirigiu e coproduziu. O filme conquistou dez prêmios internacionais, incluindo o Prêmio do Júri no Tallinn Black Nights Film Festival.
Nos bastidores de cada projeto, Bernardo se apoia em intenso trabalho de autoconhecimento e mergulho psicológico. “Quanto maior o resgate das feridas da infância, mais ferramentas o artista tem para doar. Toda criação nasce de dentro.”Para Bernardo, a arte é antes de tudo uma ferramenta de transformação. “Hoje vivemos uma cultura que privilegia fórmulas fáceis e repetições ditadas por algoritmos. Mas filmes incríveis que foram sucesso, nunca nasciam de pesquisas de público. Cidade de Deus, O Poderoso Chefão, Scarface, Tubarão, Um Estranho no Ninho… nenhum deles existiria se tivesse sido moldado por algoritmos. A arte dita tendências — não o contrário.”
Ele ressalta que não se trata de ignorar os algoritmos, mas de não se deixar conduzir por eles. “Não faço filmes para mim ou apenas para a classe artística. As tendências podem até servir de estímulo ou desafio, mas a essência da criação nasce de outro lugar. Se a história vier do coração, se for pessoal e bem estruturada, terá mais chances de tocar o público. E se, além disso, for relevante ao nosso tempo e provocar reflexão, mesmo que de forma subliminar, é aí que a arte cumpre seu papel: vai além de entreter, abre a possibilidade de transformação positiva no mundo.” Bernardo conclui com franqueza: “O tamanho desse alcance depende de fatores que estão além do criador — marketing, distribuição, e por aí vai. Pronto, falei. Entende quem quiser… ou puder… (risos)”.
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