Uma obra que reflete os fragmentos que guardamos involuntariamente de relacionamentos passados.
Olivia & the Clouds é um filme que explora os relacionamentos sob diferentes ângulos e as complexidades do amor. Na história, acompanhamos a vida de alguns personagens. A primeira deles é Olivia, uma mulher assombrada por um amor do passado, que o esconde debaixo da cama. Ela troca flores com esse fantasma por nuvens de chuva reconfortantes. Depois, seguimos Bárbara, rejeitada por Mauricio, que escapa da realidade por meio de histórias fantásticas. Já Mauricio, cheio de arrependimentos, é engolido pela terra em meio ao caos amoroso. Por fim, Ramon, apaixonado por Olivia, testemunha o crescimento de uma planta estranha que a espelha e reflete seus sentimentos.
O efeito Rashomon é utilizado para nos contar essas histórias de forma sensível e para explorar os resquícios deixados por relações passadas de cada personagem. Cada um deles vive e relembra o amor de uma forma única, reinterpretando os mesmos eventos com suas dores, desejos e ilusões. Essa fragmentação da narrativa amplia a complexidade emocional do roteiro e convida o espectador a refletir sobre a memória como espaço maleável, onde nossas lembranças dizem mais sobre quem somos do que sobre o que realmente aconteceu, podendo às vezes se misturar com devaneios, desejos, sonhos e medos. É uma obra que se mostra honesta ao exibir todas as formas tortas em que o amor se aloja em nossa memória.

A beleza do filme está na forma como cada um dos seus personagens enxerga e lida com o amor. O diretor não toma partido, não escolhe lado, ele nos coloca na função de observar cada uma dessas manifestações coexistindo e formando um emaranhado de sentimentos em diversas pessoas diferentes. Culpa, remorso, saudade, esperança, dor. O amor, ao mesmo tempo, pode ser cada uma dessas coisas e nenhuma delas. É isso que o filme nos mostra: um conceito abstrato é capaz de ter infinitos significados e despertar uma gama de sentimentos talvez até complexos demais para se pôr na tela sem a utilização de metáforas: um fantasma embaixo da cama, uma planta florescendo gradativamente, um ser humano sendo engolido pela terra. A direção não tem pressa, e cada cena é construída como se fosse uma lembrança com detalhes imprecisos e cores suaves.
O tempo aqui não é linear, e as versões se sobrepõem sem a pretensão de encontrar uma verdade única, como se perdidas em uma névoa. Não importa o que aconteceu, importa como o que aconteceu afetou cada um dos personagens. Há uma ternura melancólica na obra, que parece entender que o amor pode ser bonito mesmo quando dá errado. As relações inacabadas, as palavras não ditas; tudo isso contribui para a formação do ser humano e de sua personalidade.

Os traços são suaves e artesanais, se misturando entre tinta e objetos reais. As transições são fluidas, como se os cenários estivessem se modificando ao mesmo tempo que os pensamentos e sentimentos dos personagens, o que cria uma atmosfera surreal e íntima. Por muitas vezes, nos pegamos distraídos com a beleza da animação e a grande potência criativa dos idealizadores.
O longa não oferece um final ou uma solução. Ele retrata a aceitação de que as histórias de amor não têm fim, apenas tomam novas formas. Seguimos em frente sem esquecer do passado, e mesmo com todas as distorções, cicatrizes e dores que a memória pode causar, ela é impossível de se tornar inabitada. Às vezes, a memória é a única forma de manter uma pessoa, do jeito que a amamos no passado, viva. As pessoas mudam, mas, se fecharmos os olhos, sempre conseguiremos ver aquela figura por quem a paixão nos fez idealizar. Aquela persona que, até então, no ápice da efervescência do amor, não tinha defeitos. Aquela que deixa saudade.

Olivia & the Clouds é um filme que nos convida a aceitar as marcas de saudade que um relacionamento antigo é capaz de deixar. Uma obra que nos compreende em uma textura quase viva e simbólica. Tomás Pichardo-Espaillat compreende a complexidade da mente humana quando o assunto é amor.
Crítica por Pedro Gomes.
Filme assistido no Annecy International Animation Film Festival (2025)
Feature Films Contrechamp

Olivia & the Clouds | Olivia & the Clouds
República Dominicana, 2025, 81min.
Direção: Tomás Pichardo-Espaillat
Roteiro: Tomás Pichardo-Espaillat
Elenco: Olga Valdez, Héctor Aníbal, Fery Cordero Bello
Produção: Amelia del Mar Hernández González, Fernando Santos Diaz
Direção de Fotografia: Tomás Pichardo-Espaillat
Música: Cem Mısırlıoğlu










Leave a Reply