Um retrato crítico e melancólico sobre a forma como vivemos.
Jinsei, longa-metragem japonês que estreou na mostra Contrechamp do Festival de Annecy 2025, já se destaca nos bastidores: é uma animação autoral criada integralmente por Ryuya Suzuki, que assina o roteiro, animação, som, direção e edição. A obra acompanha a jornada de 100 anos de um homem — de um garoto solitário e vítima de bullying a um aspirante a Idol. A estrutura do anime simula o que parece ser uma fita VHS ou uma gravação caseira. O espectador acompanha uma sequência de episódios simbólicos e aparentemente desconectados, que juntos constroem um mosaico da vida do protagonista, como em um livro de memórias. Não há arcos narrativos tradicionais; o filme se organiza como lembranças borradas.
O personagem principal, dublado pelo rapper Ace Cool, não tem um nome fixo. Ele é chamado de vários apelidos ao longo da trama — nomes que mudam com o tempo, com os contextos, com o olhar dos outros. Isso nos dá a sensação de estar diante de um protagonista que não representa uma identidade única, mas sim uma tela em branco preenchida por fragmentos universais que compõem a experiência de vida de muitas pessoas. Isso nos aproxima da história, pois nos identificamos com muitos dos sentimentos e situações mostradas em tela.

A ascensão involuntária do personagem principal traz uma crítica silenciosa à indústria do entretenimento. Ele se torna conhecido, idolatrado, seguido, mas também solitário e incompreendido. A fama expõe seu vazio existencial, amplificando suas crises em vez de resolvê-las. À medida que ele ganha notoriedade, se depara com eventos bizarros e desconcertantes: motoristas idosos que causam caos, jovens que morrem sem explicação e até a sombra de uma guerra. Esses elementos não são encaixados como parte de uma narrativa causal, mas surgem quase como delírios, criando uma atmosfera surreal e distorcida da realidade contemporânea.
Mesmo com esses retratos críticos sendo feitos em forma de sátira, o filme é mais melancólico que irônico. Há uma dor real por trás das imagens; Suzuki não parece rir da sociedade, mas lamentá-la. Lamentar o rumo das coisas, a ausência de propósito coletivo, a perda de vínculos e de sentido. Jinsei não oferece respostas fáceis: convida à reflexão sobre a maneira como vivemos, o que escolhemos registrar, o que deixamos para trás. O filme não dramatiza o fim do personagem, mas o retrata com a aceitação de que a morte é uma parte natural da vida. Em tempos de sobrecarga digital, solidão urbana, crises políticas e busca por significado, Jinsei parece falar diretamente com todos nós independentemente da cultura.

A estética é minimalista, os movimentos são escassos, as cores bem definidas. Sem distrações visuais, somos conduzidos ao que realmente importa: o vazio, a repetição, o ordinário. Há uma beleza na monotonia das imagens — um convite a parar e observar o que quase sempre ignoramos. O som oscila entre momentos de grande silêncio e momentos em que a trilha, composta pelo próprio Suzuki, evoca uma atmosfera de contemplação existencial. Como sabemos que o filme terminará com a morte do protagonista, seu ritmo lento é quase hipnótico: o espectador não anseia pelo encerramento, mas aprecia a viagem e as experiências desenhadas em tela ao longo da jornada.
A obra emociona e parece conversar com nosso interior sobre a parte da vida que ninguém gosta de falar. A que nos mostra que não somos donos do nosso destino. Que às vezes não sabemos onde estamos nem para onde vamos. Quando olhamos para frente e vemos que, apesar do planejamento, o futuro é incerto, e o nosso tempo escorre pelas mãos como areia na praia. Que às vezes, assim como os fragmentos de Jinsei, a vida pode parecer confusa, sem explicações, e gerar mais perguntas do que respostas. Nos sentimos ora vazios, ora preenchidos; ora solitários, ora rodeados de pessoas; ora poderosos, ora impotentes. E está tudo bem nisso.

No fim, Jinsei é um filme que redefine o significado de “autoral”: feito em 18 meses por uma única pessoa, sem grandes recursos, mas com uma coragem emocional que falta em muita coisa por aí. O espectador sai com a cabeça cheia de perguntas e o peito cheio de coisas que não cabem em palavras. Talvez esse seja o maior mérito de Jinsei: ele não quer ser entendido. Ele quer ser sentido. Sobre viver, morrer, esquecer, lembrar. Sobre assistir à própria vida como se fosse um estranho. Uma obra que, silenciosamente, te compreende.
Crítica por Pedro Gomes.
Filme assistido no Annecy International Animation Film Festival (2025)
Feature Films Contrechamp

Jinsei | 無名の人生
Japão, 2025, 93min.
Direção: Ryuya Suzuki
Roteiro: Ryuya Suzuki
Elenco: ACE COOL, Taketo Tanaka, Shohei Uno
Produção: Kenji Iwaisawa
Direção de Arte: Ryuya Suzuki
Música: Ryuya Suzuki









Leave a Reply