Durante o Festival de Annecy 2025, o cineasta canadense falou com exclusividade à Vi nos Filmes sobre o processo criativo e simbólico de seu novo longa-metragem animado, uma obra poética e provocadora sobre identidade, memória e revolta.
Por Pedro Gomes, direto do Festival de Annecy.
Em Death Does Not Exist, Félix Dufour-Laperrière nos conduz por um universo carregado de camadas filosóficas, políticas e existenciais. Em entrevista concedida durante o Festival Internacional de Animação de Annecy 2025, o diretor canadense falou sobre as origens do projeto, sua relação com a abstração visual, o contexto histórico e a dimensão por trás de sua narrativa trágica e sensível.
O projeto nasceu do desejo de explorar um paradoxo entre amor e violência, lealdade e ruptura. “A primeira coisa que escrevi foi o ataque. Queria começar dali. A segunda origem foi um flashback entre Manon e Hélène, esse ciclo de retorno que revela o paradoxo entre conexão e destruição”, explica Félix.
O roteiro, no entanto, evoluiu com o tempo: “O primeiro rascunho era bem mais sombrio, fatalista. Mas depois eu quis abrir mais espaço para o afeto, as amizades, algo que servisse à vida.”
Embora ambientado em uma realidade ficcional e estilizada, Death Does Not Exist é atravessado por ecos do passado canadense. O diretor cita a Crise de Outubro de 1970, quando militantes separatistas sequestraram e mataram um político federal, provocando intervenção militar, como uma das inspirações indiretas da tensão que permeia o filme. Outro marco foi o movimento estudantil de 2012 em Quebec, que começou como protesto contra o aumento de taxas universitárias e cresceu em direção a pautas sociais mais amplas.
“Quis imaginar: o que aconteceria se jovens adultos de hoje decidissem se radicalizar?”, questiona. O filme não traz respostas fáceis, mas mergulha fundo nessa pergunta.

“A vida é movimento, e o movimento tem um custo”
Uma das frases mais marcantes do filme também expressa a visão poética do autor. “Ela fala do paradoxo entre proteger e evoluir. A autoridade quer fixar uma imagem para sempre, mas a vida exige movimento, transformação. E isso tem um custo. É doloroso, mas necessário.”
A estética de Death Does Not Exist é extremamente simbólica. Em várias cenas, os personagens se fundem aos cenários, como se fossem parte do mundo ao redor. “É uma decisão estética, mas também política. As pessoas estão dentro do contexto, não fora dele. Quando atiram, atiram em gente como elas.”
Esse uso das cores, aliás, foi um dos grandes desafios técnicos da produção. “Cada plano foi pintado por mim, pessoalmente. Alguns tiveram mais de 100 versões. Era um processo exaustivo, quase artesanal. Como pintar um quadro com movimento.”
Na simbologia do filme, a floresta “é o lugar onde o íntimo se manifesta na realidade. Onde a ordem é rompida. A floresta é um potencial”, resume Félix.
A narrativa também incorpora uma delicada história de amor entre Hélène e Mark — que, apesar de sutil, cumpre papel fundamental. “Ela recua por amor, tenta salvar os amigos. Suas decisões não são movidas só por convicções ideológicas, mas por laços afetivos. É uma coragem trágica.”
Em um dos momentos mais comoventes da conversa, Félix compartilha quem ele gostaria que visse seu filme: seu avô, já falecido. “Devo a ele muito do meu pensamento político. Gostaria que ele visse esse filme, com 40 anos ou jovem, tanto faz. Seria uma honra.”
Ao ser perguntado por que escolheu a animação como linguagem, o diretor se emociona: “Amo as possibilidades que ela oferece. Ela mistura desenho, pintura e cinema. Quando descobri os irmãos Quay e Jan Švankmajer, pensei: é isso que quero fazer. Ficar no meu estúdio e criar mundos.”
Apesar das limitações orçamentárias, Félix não se queixa. “Trabalhamos dia e noite, e conseguimos planejar bem. O filme tem suas falhas e suas forças, mas nenhuma delas é por falta de dinheiro.”
Ao fim da conversa, uma coisa fica clara: Death Does Not Exist é mais do que um filme. É uma reflexão profunda sobre existência, escolhas e vínculos. Uma obra necessária e atemporal.
Por Pedro Gomes em conversa com Félix Dufour-Laperrière
Filme assistido no Annecy International Animation Film Festival (2025)
Official selection 2025 – Feature Films Official
Death Does Not Exist | La mort n’existe pas
Canadá/França, 2025, 72min.
Direção: Félix Dufour-Laperrière
Roteiro: Félix Dufour-Laperrière
Elenco: Karelle Tremblay, Zeneb Blanchet, Mattis Savard-Verhoeven
Produção: Félix Dufour-Laperrière, Nicolas Dufour-Laperriere, Pierre Baussaron
Música: Jean L’Appeau
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