Memória, música e paternidade: Kid Koala fala sobre Space Cadet no Festival de Annecy (Resumo)

Em entrevista exclusiva, o DJ, quadrinista e agora cineasta canadense Kid Koala revela como o luto pela avó e o nascimento da filha inspiraram a criação de Space Cadet, sua estreia como diretor de longa-metragem.

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Quando Kid Koala (nome artístico de Eric San) começou a criar Space Cadet, lidava com duas experiências transformadoras e opostas: o luto pela morte da avó e a expectativa pela chegada de sua primeira filha. O paradoxo entre despedida e nascimento trouxe uma graphic novel delicada, envolvente e profunda.

“Foi uma forma de lidar com tudo aquilo”, conta o artista, durante o Festival de Annecy, onde o filme foi exibido. “Minha avó tinha acabado de falecer e minha esposa e eu estávamos esperando nossa primeira filha”, lembra. “Então, nesse momento da minha vida, como jovem adulto, eu fiquei refletindo sobre o passado, tentando lembrar e valorizar aqueles momentos realmente especiais com meus avós e meus pais. E também olhando para frente, pensando: “O que vou ensinar para minha filha algum dia?”

A graphic novel, explica ele, foi seu “mecanismo de sobrevivência emocional”. A ela se seguiu um álbum musical com 15 faixas compostas por ele, e, anos depois, o longa animado. “É uma história bem pessoal na sua essência, mas claro, eu não fui pro espaço nem sou um robô. Tudo isso foi uma forma de colocar a história em um universo mais divertido. Mas no fundo, vem de algo muito real. ”

Algumas cenas do filme são inspiradas em lembranças muito específicas. “Lembro de uma vez que estava num restaurante e minha mãe pegou o papel que envolve os hashis e começou a dobrar. E eu, tipo, “O que você está fazendo?” Achei que ela só estava distraída. Mas de repente, bam, ela me mostrou aquilo: uma forma perfeita, tipo uma joia. Tinha dobras lindas e tudo mais. Fiquei impressionado que ela conseguiu transformar aquela tira de papel naquilo. Mudou minha perspectiva. Foi uma mudança de paradigma. Outra vez, pedi pro meu pai desenhar um barco. E ele desenhou um navio de guerra, da marinha, super técnico, com torres, chaminés, tudo certinho. Um desenho técnico mesmo. E como criança, aquilo me impressionou muito. Pensei: “Se meu pai sabe desenhar assim, talvez eu também possa aprender”

Essas pequenas experiências moldaram sua visão de mundo e sua relação com a arte. “São momentos muito breves da infância que abrem nosso universo”, diz.

Space Cadet – Annecy International Animation Film Festival (2025)

No filme, o robô precisa apagar suas memórias para continuar existindo depois de cumprir sua missão: cuidar de Celeste, que agora parte em sua primeira jornada solo pelo espaço. “Sim, às vezes, pra seguir em frente, a gente precisa deixar algo pra trás”, reflete. “Mas sim, acho que pra abrir espaço pro novo, muitas vezes é preciso mudar de caminho. Mas tudo que você aprendeu antes pode ser aplicado no próximo capítulo.”

A trilha sonora de Space Cadet também nasceu desse processo de luto e renascimento. “Escrevi as primeiras faixas para o livro. A primeira foi o tema principal, ao piano. Depois compus várias outras. Quando o filme se expandiu, precisei criar novas músicas, inclusive algumas específicas para as cenas.”

Um dos últimos temas que criou foi para a cena do jantar, antes da partida da personagem. “Convidei minha amiga Meaghan Smith pra cantar. A voz dela tem aquele estilo mais clássico, e mesmo não sendo um musical, essa cena precisava dessa alegria porque era a última noite deles (Celeste e Robô) antes da missão dela. ”

Muitas músicas, revela, têm um tom de canção de ninar. “E nessa época minha filha já tinha nascido, de tão demorado que foi. Por isso muitas das músicas têm um tom de canção de ninar, porque ela era um bebê quando eu estava escrevendo.”

Nos créditos, uma surpresa: Space Song, do Beach House. “Ah, eu amo essa música. Estava trabalhando nos créditos e coloquei essa música só pra ver. Me apeguei tanto que resolvi entrar em contato com a banda. Disseram que talvez eles não liberassem, mas eles foram muito gentis. Tive que escrever uma carta explicando por que essa música era tão importante pro filme. Me senti numa entrevista de emprego. E no fim, eles autorizaram. Acho que é a música perfeita pros créditos.”

Space Cadet – Annecy International Animation Film Festival (2025)

Eric disse que é maravilhoso que as crianças tenham uma interpretação diferente de sua obra. acho que crianças têm uma inteligência emocional muito alta pra temas como ciclos da vida. E como meus livros e filmes favoritos sempre me mostram coisas novas a cada vez que revejo, espero que esse filme funcione assim também.” Kid Koala espera que seu filme também tenha esse poder. “Pode até ser usado como uma ferramenta pra falar sobre perda numa família. Espero que seja um filme reconfortante.”

No filme, o robô pinta para não esquecer. Para o artista, isso reflete seu próprio impulso criativo. “eu recorro à arte pra tentar capturar sentimentos, geralmente ligados à nostalgia. Até como DJ, minha cultura vem de buscar o passado e transformar em algo novo. É como celebrar todo o tempo, inclusive o passado.”

Nos momentos finais da conversa, surge a pergunta que fecha a conversa: memória e identidade são a mesma coisa?

“Acho que estão ligadas, sim, mas não são exatamente a mesma coisa. Às vezes, a gente descobre quem é no momento — numa situação nova, com pessoas novas. A identidade pode emergir da interação, do agora.”

E completa: “Gosto de olhar pro passado, claro. Mas pra mim, o que espero é que minha identidade não esteja toda no passado. Tipo, eu não passo todos os dias olhando pra trás.”

Por Pedro Gomes em conversa com Kid Koala. 12 de Junho de 2025.

Filme assistido no Annecy International Animation Film Festival (2025)

Feature Films Contrechamp

 

Space Cadet
Canadá, 2025, 86min.
Direção: Kid Koala
Roteiro: Mylène Chollet
Direção de Arte: Corinne Merrell
Produção: Ginette Petit, Nathalie Bissonnette
Música: Karen O, Mariana ‘’Ladybug’’ Vieira, Kid Koala

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