Crítica – Space Cadet

Um poema visual e sonoro sobre a beleza e a dor de crescer, de lembrar, de perder e de seguir em frente.

Space Cadet, filme de estreia como diretor de Kid Koala (Eric San), é uma fábula visual e musical, contada sem diálogos, que explora temas profundos como perda, vínculo, identidade e renovação. Baseado na graphic novel de mesmo nome, o longa animado segue a história de Celeste, uma pequena astronauta criada por um robô guardião que está prestes a enfrentar sua primeira missão solo interestelar, sendo obrigada à deixar sua figura paterna/materna na Terra pela primeira vez.

Ao sair em sua missão, os dois se separam e embarcam em jornadas pessoais diferentes. O robô guardião percebe um mau funcionamento em seu software, cujo único modo de reparo é a realização de um processo que fará com que ele perca toda a sua memória. Com isso, o longa traz o dilema do personagem para nossa reflexão: deixar de existir ou deixar de lembrar?

Space Cadet – Annecy International Animation Film Festival (2025)

O robô guardião é uma inteligência artificial com capacidade de sentir e lembrar. Todas as memórias de seu HD são formadas por uma vida inteira de experiências ao lado de Celeste. Mais do que apenas memórias, o filme é uma celebração da vida; dos momentos compartilhados com quem amamos, dos laços que criamos e dos pequenos prazeres da vida que dão beleza à nossa existência — como tomar um sorvete na praia em um dia de verão ao lado de nossos pais.

A graphic novel foi originalmente escrita por Kid Koala após o falecimento de sua avó e, no mesmo momento, ele estava esperando o nascimento de sua primeira filha. Esse estado de luto, por um lado, e de alegria, por outro, evoca na história um sentimento de que vida e morte não são opostos, mas sim partes de um mesmo ciclo.

Space Cadet – Annecy International Animation Film Festival (2025)
It will take a while To make you smile. Somewhere in these eyes I'm on your side.

O robô sabe que, para continuar existindo, será apagado. Então, ele começa a reviver as próprias memórias, como quem, ao limpar a galeria do celular, se perde no emaranhado de fotos e vídeos de momentos marcantes. E isso é profundamente humano. O robô não nega o fim, mas se curva diante dele com gratidão. Em vez de fugir da morte, ele mergulha nas lembranças, como quem faz um último brinde à vida, e há, nessa escolha, uma celebração da efemeridade.

A obra não tem diálogos. Nenhuma palavra é dita. Eric San confia plenamente na capacidade de imagens e som serem suficientes para contar uma história emocionante — e com razão. A trilha sonora composta por ele é uma extensão da alma do filme. É como se as faixas traduzissem o que palavras não conseguem dizer, nos abraçassem sem nos tocar. Essa escolha narrativa convida o espectador a sentir a obra, em vez de apenas entendê-la.

Space Cadet – Annecy International Animation Film Festival (2025)

Space Cadet é um filme que celebra a efemeridade da vida. Ele não tenta imortalizar os personagens, mas dá sentido à nossa existência breve por meio do amor, do afeto, da arte. Ao fazer isso, Kid Koala nos lembra que o que realmente importa não é o quanto algo dura, mas o quanto foi verdadeiro enquanto durou. Repleto de ternura e beleza, o longa ecoa uma melancolia quase cósmica que nos ensina a apreciar a importância do passado sem deixar de abraçar o presente.

 

Crítica por Pedro Gomes.

Filme assistido no Annecy International Animation Film Festival (2025)

Feature Films Contrechamp

 

Space Cadet
Canadá, 2025, 86min.
Direção: Kid Koala
Roteiro: Mylène Chollet
Direção de Arte: Corinne Merrell
Produção: Ginette Petit, Nathalie Bissonnette
Música: Karen O, Mariana ‘’Ladybug’’ Vieira, Kid Koala

 

 

Não perca nenhum conteúdo! Siga o Vi nos Filmes no Instagram, Youtube e Tiktok