Uma excepcional adaptação de um clássico da literatura francesa.
Quem já leu alguma obra de Alexandre Dumas sabe que ele é um dos escritores mais celebrados da literatura francesa, conhecido por seus romances de aventura histórica que combinam ação, intriga, heroísmo e uma exploração profunda de temas como amizade, vingança, honra e justiça. Dumas construiu mundos fascinantes e inesquecíveis, onde suas narrativas entrelaçam diversos temas de forma magistral. Entre seus clássicos atemporais está o épico “O Conde de Monte Cristo”.
Na trama, Edmond Dantès é um jovem marinheiro cuja vida muda drasticamente após uma conspiração. Ele está prestes a se casar com Mercédès e ser promovido a capitão de navio. No entanto, é traído por três homens invejosos: Fernand Mondego, que deseja Mercédès; Danglars, que almeja sua posição como capitão; e Gérard de Villefort, um promotor público corrupto que teme que Dantès revele um segredo político capaz de arruinar sua carreira. Esses homens acusam falsamente Dantès de ser um agente bonapartista e, sem um julgamento justo, ele é preso no terrível Castelo de If, uma prisão isolada em uma ilha. Lá, ele conhece um abade que lhe oferece algo mais valioso do que sua liberdade: conhecimento.

A prisão de Dantès no Castelo de If simboliza uma morte figurativa. Ele passa 14 anos encarcerado, sem contato com nenhum outro ser humano além do Abade Faria, que se torna seu mentor. O abade não apenas o ensina em diversas disciplinas (filosofia, ciência, outros idiomas), mas também revela a localização de um tesouro escondido na Ilha de Monte Cristo.
Esse encontro é fundamental para o renascimento de Dantès. O Edmond Dantès inocente e otimista, que acreditava na bondade das pessoas e na justiça dos homens, “morre” nesse período. Após conhecer Faria e fugir da prisão, ele emerge com uma nova identidade: um homem apático, frio e calculista. Sua incapacidade de se reconectar emocionalmente com Mercédès, demonstrada próximo ao final do filme, evidencia sua transformação.

Essa belíssima adaptação é conduzida pela direção de fotografia de Nicolas Bolduc, já conhecido por trabalhar em outras obras baseadas nos livros de Dumas: “The Three Musketeers: D’Artagnan” e “The Three Musketeers: Milady”. Ele também colaborou com Denis Villeneuve em “Enemy” e “Next Floor”. Sua fotografia traz uma paleta de cores clara e ensolarada, suavizando o tom sombrio que a história carrega por si só e conferindo um ar de modernidade a uma narrativa ambientada no século XIX. Esse contraste contribui para a fluidez do longa, cujo ritmo é acelerado e frenético, mesmo com quase três horas de duração (e, considerando que o livro tem mais de mil páginas, convenhamos que três horas ainda são insuficientes para retratar com plenitude todos os acontecimentos da obra original. Naturalmente, a adaptação para o formato cinematográfico exigiu certos cortes).
A divisão dessas três horas tem uma escolha interessante. O livro se organiza em torno da prisão, fuga e vingança do protagonista. No filme, apenas uma hora é dedicada à prisão e à fuga (que abrange um período de cerca de 14 anos), enquanto as duas horas restantes focam em sua trajetória de vingança. Essa escolha permite uma ênfase maior na transformação psicológica de Dantès. Com essa profundidade, o público testemunha como o desejo de vingança destrói gradativamente sua alma. Dantès é movido por uma linha tênue entre vingança e justiça e, ao perseguir seus inimigos, tem sua humanidade corrompida, afetando também pessoas inocentes ao longo do caminho.
A adaptação dirigida por Alexandre de La Patellière e Matthieu Delaporte também enfatiza a transformação física de Dantès, simbolizando ainda mais sua mudança para uma figura fria e consumida pelo desejo de destruir aqueles que o traíram, o tornando praticamente irreconhecível aos olhos dos outros personagens.

“O Conde de Monte Cristo” é uma obra que transcende o tempo, graças à complexidade de sua narrativa, à profundidade dos temas que aborda e ao desenvolvimento de seus personagens. A jornada de Dantès é tanto uma tragédia quanto uma lição sobre os limites da justiça e a importância da redenção. O filme é a melhor adaptação do livro até agora e foi selecionado pela França para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Internacional e estreia nos cinemas brasileiros em 5 de dezembro.
Crítica por Pedro Gomes.
Filme assistido no Festival Varilux de Cinema Francês (2024)

O Conde de Monte Cristo | Le Comte de Monte-Cristo
França, 2024, 178 min.
Direção: Alexandre de La Patellière, Matthieu Delaporte
Roteiro: Alexandre de La Patellière, Matthieu Delaporte
Elenco: Pierre Niney, Bastien Bouillon, Anaïs Demoustier
Produção: Dimitri Rassam, Cédric Iland
Direção de Fotografia: Nicolas Bolduc
Música: Jérôme Rebotier
Classificação: 14 anos
Distribuição: Paris Filmes










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