Às últimas consequências dos atos gentis.
Nos primeiros minutos do aclamado longa-metragem “A Favorita” (2018), o cineasta Yorgos Lanthimos nos trás uma introdução das personagens Rainha Anne (Olívia Colman, vencedora do Oscar de Melhor Atriz por esta performance) e Sarah Churchill (Rachel Weisz), em que esta última afirma amar a Rainha, mas que o amor tem limites. Anne, por sua vez, finaliza o assunto afirmando “Não deveria ter”. Essa pequena interação, a respeito das particularidades das relações humanas, resume de forma bastante eficaz o novo filme de Lanthimos, “Kinds of Kindness”.
Em uma narrativa antológica, dividida em três capítulos, cada um com uma história própria e independente, Lanthimos nos trás um elenco conhecido de suas obras anteriores, como Emma Stone, Willem Dafoe (ambos de “Pobres Criaturas”) e Joe Alwyn (“A Favorita”) além de outros nomes de peso, como Margaret Qualley (“Era uma vez em… Hollywood”) e Jesse Plemons (“Breaking Bad”). Em cada capítulo, os atores se revezam em dinâmicas novas, com personagens que vivenciam experiências em que o sentido da prática de gentilezas é levado às últimas conseqüências, todas elas atreladas a uma pergunta que não sai da cabeça: Há limites para o amor?

Cada parte da antologia possui um tom e uma historia intrigante. Na primeira, nos deparamos com um homem cuja dedicação a seu patrão é colocada à prova e o controle de sua própria vida se vê ameaçado. Na segunda, um homem se vê em dúvida se sua esposa, recém retornada de um grave acidente, é de fato sua esposa. Na terceira, uma mulher com a vida bastante conturbada e cheia de segredos procura uma jovem com habilidades especiais e que pode mudar tudo ao redor. Comum a todas elas, está o fato de que atos gentis se transformam em uma estranha e por vezes bizarra forma de lidar com o amor ao próximo (e o desamor a si).
Características marcantes do cinema de Lanthimos estão presentes, como o flerte com o bizarro, o humor sombrio e macabramente constrangedor, enquadramentos em contra plongée (de baixo para cima) e o uso pontual de cenas em preto e branco. O apreço do diretor pela mise-en-scène de Stanley Kubrick e o surrealismo de Luis Buñuel também são notados de maneira agradável e muito bem executada. Destaque para a trilha sonora em notas de piano e vozes semelhantes a zumbidos de insetos, que não nos permite esquecer de um incômodo profundo e paradoxalmente satisfatório.

Yorgos Lanthimos é um cineasta cuja obra possui essa capacidade de gerar no espectador um misto curioso de atenção e repulsa, e Kinds of Kindness não foge à regra. Aos que tem ressalvas com filmes muito longos, este supera seu anterior (“Pobres Criaturas”), com a marca de 2h45. Entretanto, a narrativa fragmentada dilui a sensação de um filme muito longo.
A grandeza do filme está, como é de se esperar, nas atuações. Seria até mesmo possível sugerir novas indicações às premiações mais relevantes do cinema, mas vamos deixar o assunto para outra hora. Aqui, importa dizer que Lanthimos sabe muito bem extrair o máximo de seu elenco, dando-nos um verdadeiro espetáculo sobre a humanidade e suas idiossincrasias.

E se há limites para o amor? Certamente o espectador poderá decidir quanto a isso.
Crítica por Bianca Rolff.

Tipos de Gentileza | Kinds of Kindness
Irlanda/Reino Unido/Estados Unidos, 2024, 164 min.
Direção: Yorgos Lanthimos
Roteiro: Yorgos Lanthimos, Efthymis Filippou
Elenco: Emma Stone, Jesse Plemons, Willem Dafoe
Produção: Ed Guiney, Yorgos Lanthimos, Andrew Lowe
Direção de Fotografia: Robbie Ryan
Música: Jerskin Fendrix
Classificação: 18 anos
Distribuição: The Walt Disney Company/Searchlight Pictures










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